49- Baque em Areal.

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- Fo-foi em uma festa. Eu estava com essa amiga que te falei. Quando dei por mim um líquido gelado molhou minha roupa. Lembro que fiquei brava, mas para mim nunca mais veria aquele cara na minha frente.

Uma lágrima desce molhando a calça da minha mãe. Aconchego-me mais em seu colo e o calor dela me fortalece.

-Até que o reencontrei no meu primeiro dia de aula na faculdade- respondo ao questionamento de Dona Ângela sobre como conheci Vicente.

Ela esparrama as mãos pelo meu cabelo fazendo um carinho que ajuda no ressentimento de me afastar do Rio misturado com a culpa que amargura. Minhas lágrimas se juntam aos soluços que parecem formar um nó na garganta e mamãe acaricia meu peito com força para aliviar o sufoco.

- Filha, a vida às vezes tem dessas. Machuca. Dói.

- Mas você é jovem. Não quero que fuja dos seus objetivos. Sei o quanto lutou para entrar na faculdade. Mesmo que eu esteja feliz por tê-la aqui comigo, não quero que desista de tudo assim. Você tem o seu futuro para construir – ela beija minha testa e como quando eu era pequena me puxa pela mão para me por para dormir.

As minhas irmãs dormem serenamente na cama ao lado enquanto tento conter meus ruídos de tristeza.

Cheguei a Areal faz dois dias e permaneço assim. Pensei que a distância fosse melhorar, mas meu coração não quer agir de acordo com meus planos.

Ao amanhecer acordo cedo e levo minhas pequenas para a escolinha do bairro. Nas ruas todos se surpreendem com minha presença e chego a encontrar antigos colegas do colégio. Eles me atualizam sobre o que tem rolado na cidade e nada de muito diferente aconteceu. Poucos dos alunos da minha sala fazem faculdade, a maioria trabalha nas fazendas ao redor do centrinho da cidadela.

Em casa o tempo ócio serve como martelo perfeito de lamentações. A faculdade era tudo para mim e isso faz pouco menos de seis meses. Tenho provas finais do semestre semana que vem, e eu nem sei se vou voltar. Eu, só queria saber notícias dele. Esse silêncio de novidades me mata.

Pego celular em cima da mesa e digito para Letícia.

Amg, sabe de algo? Dele.

Ao invés de enviar outra mensagem, ela me liga.

- May?

- Oi.

- Ele acordou. Não sei dizer detalhes, mas acho que seu quadro está estabilizado- borboletas sopram meu estômago.

- Tudo bem – digo, mas na verdade queria dizer: Graças a Deus!

- E você? Não vai querer perder o semestre né? Se não voltar eu vou ser obrigada a ir te buscar – ela fala na linha.

- Não sei- é sincero.

Antes que voltemos a discussões inevitáveis, desligo.

A hora do almoço chega naquele dia nebuloso. Ponho um pouco de óleo para preparar o bife e sobe um cheiro pesado. Aquela gordura atinge meu estômago vazio e causa náuseas. Sento em uma cadeira tentando estabilizar meu corpo e a mente volta ao mesmo circulo de sempre.

Eu gostaria de cuidar dele. Dar meu suporte e ajudá-lo a se recuperar, mas estou aqui. Sei que sou covarde para enfrentar sua mãe, os preconceitos e a culpa que ainda sinto decair em meus ombros.

Minha cabeça gira, o preto invade meus olhos e sinto que caio no chão pela ardência de dor na lateral do corpo. Consigo ouvir ao longe a voz da minha mãe chamando por meu nome. O cheiro de gordura permanece forte.

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