25- Areal.

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Ontem não foi um dia vitorioso. Marcelo recusa minhas chamadas e posso deduzir que perdi meu amigo. Agora me resta rascunhar algumas palavras para Letícia acalmando-a sobre meu sumiço e voltar. Voltar a minha cidade. Colocar um pouco de frescor em minha mente.

Deixo o bilhete em cima da mesinha de madeira, pego uma das minhas malas e tranco o quarto. Retorno à rodoviária em que por pouco não fui assaltada na última vez e subo para o ônibus que farei baldeação até Areal.

Algumas horas depois o ônibus para no terminal da minha cidade. Olho pela janela e como sempre está tudo em seu devido lugar. A pracinha, o supermercado de Seu João e a banca de jornal em que tantas vezes comprei revistas de desenho já direcionando meu caminho a arquitetura.

Coloquei minha mala em um dos ombros e fui em direção a minha casa a alguns quarteirões dali. Tive vontade de correr de tão ansiosa, mas mantive a compostura no meio da rua. Enquanto caminhava pelas calçadas rostos conhecidos passavam me cumprimentando sorridentes. Logo, o portãozinho enferrujado apareceu diante dos meus olhos. Mamãe deve ter chegado do trabalho há pouco tempo devido a fumaça saindo da janela da cozinha.

Dou três toques ansiosos na porta. Ela se abre e a primeira coisa que vejo são as bochechas de Bia, minha irmã mais nova. Depois é a vez de Maria aparecer, com seus cabelos cacheados e olhos sapecas de sempre.

- May! – as duas dizem em sintonia enquanto se jogam em cima de mim.

Seus braços finos enrolam em meu pescoço e o cheirinho de criança me lembra de quantas vezes passei xampu infantil na cabeleira dessas duas.

- Você voltou! – Maria diz depositando um beijo na minha bochecha.

Quando as duas correm para dentro de casa na intenção de chamar por mamãe, ela aparece no fundo da sala. Seu rosto assustado forma um conjunto sorridente com a boca e os olhos. Há muito tempo não a vejo sorrir assim. Desde o abandono do meu pai.

Dessa vez, eu corro até ela e a abraço forte. Tanto tempo sem seu colo foi dolorido demais. Tinha medo de me afastar de seus princípios, de me perder pela vida e esquecer o quanto ela batalhou para que tudo fosse possível.

Ela deixar cair algumas lágrimas enquanto desliza a mão pelo meu cabelo como se estivesse a cuidar.

- Minha princesa voltou. – ela sussurra. - Guarde a mala no quarto e venha almoçar. Você deve estar faminta.

- Dá sua comida estou muito faminta mamãe.

Deixo minha mala em cima da cama em que dormia e vejo que Maria já tomou conta do espaço com seus brinquedos. Vou até a pequena cozinha da nossa casa e a comida está à mesa. Voltar é bom, mas dói. Dói saber o quanto tudo por aqui é ralado. Querendo ou não o rancor do abandono do meu pai ressurge.

Enquanto almoço, sinto o tempero da melhor comida do Mundo. Como senti falta! Como não sentir? Como ele não sentiu falta? Das filhas brincando na mesa. Da bochecha da Bia. Da esperteza da Maria. Eu senti tanta falta e ele não sentiu nada. Apenas foi embora. Atrás de uma mulher.

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