26- Habitat

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Vicente abre o portão que dá para rua da minha casa e sai chutando as pedrinhas do paralelepípedo. É estranho vê-lo aqui. Ele não pertence a esse cenário. Areal. Minha casa. Minha família. Nada disso combina com ele e se não estivesse diante dos meus olhos poderia jurar que estava feliz no Rio de Janeiro. Sem minha presença para irritá-lo e tratando sua magnífica namorada-amiga ou sei lá o que como de costume. Não é que ela mereça um tipo de tratamento diferente, mas não sei. Perto dele ela parece vítima.

Esperava tantas coisas ao vê-lo desesperado em frente a minha porta, mas nenhum dos meus desejos é concretizado. Acho que me transformei em uma iludida sem causa. Daquelas que imagina um final brega, mas feliz. Sem Rebecas, sem grosseria e até mesmo sem tanto dinheiro.

- Por que merda quis voltar para cá? – ele me indaga.

- Aqui é minha casa Vicente!

- Você vai retornar né? Para o Rio. – ele para de andar e me encara. Mais uma vez o meu eu iludida jura que ele está com... um olhar receoso.

- Veio de carro? – rebato com outra pergunta.

Vicente confirma e me guia a distância até o carro estacionado na entrada da rua. Ele aperta um botão para ativar as portas e entramos. Indico à saída da cidade para ele e viramos a primeira a direita e uma estradazinha de barro. Ele franze a testa questionando aonde vamos e digo apenas para prosseguir.

A mata cobre os dois lados do carro até que chegamos a um gramado a céu aberto. E logo atrás está uma das maiores atrações. Já posso ver resquícios de gotas d'água daqui.

- Pode estacionar. – digo quando chegamos perto da cachoeira.

Ele desce do carro desconfiado parecendo animal fora de seu habitat. Rio alto da sua reação.

- Vicente, eu te apresento a natureza. Natureza eu te apresento o Vicente. Nascido e criado na selva de concreto!

- Agora a roceira quer tirar onda comigo, é isso?

- Você pediu com essa cara de assustado.

- Pelo menos aqui podemos brigar em paz! – ele diz me seguindo até a margem.

- Não ouse brigar nesse lugar! É sagrado! – faço uma cara de zangada brincando.

- Você realmente está fazendo arquitetura? – ele ri.

- Uma coisa não muda a outra.

De repente o barulho da água torna-se mais forte e uma cascata surge diante de nós. A energia do lugar toma conta de mim e me permito fechar os olhos e respirar o ar puro dessa mata.

- Caramba. – Vicente para atrás de mim.

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