23- Skol Beats.

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Ele pressiona ainda mais minha mão nele. Seu corpo se desloca naturalmente para perto do meu e afasto a mão. Meus dedos roçam de leve na ponta da sua camisa desesperados por agarrar algo firme. Sinto o apertar de suas mãos na lateral do meu corpo e os dois globos verdes compenetrados na minha boca.

Meus tímpanos são torturados por três batidas diretas da porta e me afasto de imediato de Vicente. Ele disfarça mexendo em alguns papéis em sua mesa quando seu Antônio aparece na porta. Percebo que estou cutucando o telefone sem nenhuma razão e o coloco de volta no gancho.

- Bom dia. Tudo bem por aqui? – o dono da Heim pronúncia.

- O que foi pai?- Vicente questiona irritado. Dou meia volta na mesa e sento em minha cadeira.

- Preciso de você em minha sala. E Mayara- ele dirige os olhos para mim- Espero que vocês possam conviver bem. Qualquer coisa estou à disposição.

Balbucio um obrigada muito do sem graça devido às circunstâncias e Vicente sai da sala me deixando sozinha. Obrigo-me a respirar e enterro a cabeça nos papéis a minha frente. Estou muito ferrada.

Mais tarde, a cantina da faculdade está lotada de estudantes que entram e saem de seu turno tarde- noite. Estou sentada em uma das mesas com um suco morno e sem graça enquanto me distraio mexendo no liquido com o canudo. Os folículos de laranja boiam na superfície por horas e horas até que todos fossem embora e sobrasse eu. Sozinha.

Olho em volta. Não tem ninguém. Pego meu celular para conferir às horas. Nove horas. Como pude ficar tanto tempo aqui? Pelo menos amanhã não é dia de ir a Heim. Entro no alojamento após o banho pinga água que aprendi a amar e Letícia está lendo na cama.

- Como foi o dia? Melhor?

- Nem me fale disso. – escalo o beliche e sento na cama.

- O que aconteceu?

- Simplesmente fomos transferidos para a mesma sala. Eu e ele. Sozinhos.

Let pula da cama dela e sobe na minha.

- Vocês dois estão tipo... Romance no escritório? – ela indaga curiosa.

- Não! – respondo enfática. Imagina Mayara! Você apenas o sentiu na sua mão! Na sua mão. Meu Deus, isso é demais para mim.

- De fato eu espero que não. Ele não presta May. Você nem imagina o que Maria falou dele para mim...

- O que ela falou? – pergunto ansiosa.

Let me fita nos olhos e assusta-se. Não sei direito o que a expressão quer dizer, mas posso sentir que está... Culpada? Por sua última frase?

- Anda. Fala.

- Ai May. É tudo que você já sabe. Nada demais e ao mesmo tempo tudo de ruim. – ela pula da minha cama e me faz torturá-la por mais uma hora e meia tentando fazê-la falar sobre o que sabe. Não adianta nada. Ela adormece, eu adormeço e em duas semanas inteiras, seis dias de trabalho juntos, Vicente não troca uma palavra comigo. Nem eu com ele.

Não consigo entender porque age assim. Como se eu não existisse. Ele joga os relatórios em cima da minha mesa. Eu os analiso novamente, mando para Patrícia e pronto. Volto para a sala e bato a porta com força ao entrar. Observo que ele apenas me olha como se não entendesse e aproveito a atenção para jogar todos os meus pertences dentro da bolsa e ir embora. Ele não se move quando saio e bato a porta outra vez.

Duas semanas sem dirigir uma palavra a mim! Como pode ser tão idiota.

- Não bata as portas dessa maneira Mayara! Sorte sua que seu Antônio não está. – diz Patrícia a me ver saindo. Estou com tanto ódio que não percebi o quanto fui mal educada podendo levar uma boa justa causa. Só pode ser a TPM para me deixar assim hoje.

- Desculpe. – falo para ela adentrando no elevador.

Meu coração acelera de ódio quando desço na rua da Heim e o ar quente da cidade do Rio me faz arder ainda mais por dentro. Ao mesmo tempo em que meu sangue percorre quente a veia e a cabeça lateja de irritação tenho vontade de chorar. Sentimentalismo também já é exagero. Sim. É TPM.

Caminho em direção ao ponto de ônibus quando um barzinho me chama atenção. Uma Skol beats que não bebo há um bom tempo está exposta na frente do freezer. Por impulso vou até o comércio e peço uma daquelas. Um senhor barrigudo põe em cima do balcão uma para mim e dou um gole sedento engolindo quase a metade da garrafa como se fosse água.

Suspiro um pouco aliviada, mas com sede bebo mais. Nunca bebi uma dessa tão rápida. Quer dizer, quase não bebi na vida. Peço uma segunda garrafa e ela desce tão fácil quanto a primeira. Também, olha o calor dessa cidade!

- Ei. O que está fazendo aqui? – vejo Vicente apoiado no balcão do bar ao meu lado. Acho que não é ele a princípio, mas os olhos verdes não enganam.

- Não me venha com historinhas depois de duas semanas sem olhar na minha cara! – faço um sinal para o moço do bar pedindo mais uma e Vicente tenta impedir com outro gesto. – Eu quero outra sim! Pode pegar para mim.

O senhor me ouve e sinto-me vitoriosa.

- Olha o ambiente em que você está Mayara. Para uma menina de Areal...

- Qual o problema em Areal?

- Nenhum!

- Muito bom. – a outra garrafa para na minha frente e tomo mais um gole. Realmente isso tem um gosto bom. Minha cabeça sofre um leve instalo e sei que preciso de uma cadeira. No cantinho do bar, uma mesinha vazia me atrai e sento-me ali. Vicente vem atrás de mim e segura meu braço me dando suporte como se eu precisasse. Menos, por favor. – O que faz aqui ainda?

- Me dá essa garrafa Mayara. - ele estica o braço tentando pegar a Skol beats. - Você não deve ser acostumada a beber. Isso vai dá merda.

- Você não sabe nada da minha vida. – só como deboche dou mais um gole longo na bebida que é interrompido por ele. – Me devolve Vicente! – digo me referindo a Skol beats.

- Aprenda a dividir. – ele bebe parte da cerveja e o encaro indignada.

- Agora vai ter que comprar outra para mim.

- Ainda tem aqui, vida louca. – ele sacode a garrafa para mim.

- Ata que vou colocar minha boca onde você bebeu. Sabe-se lá em que lugares ela já passou.

- Você não reclamou quando ela estava na sua boca.

- Pois foi por falta de oportunidade! Eu o-di-ei!

- Mentirosa! Você a queria em outros lugares também!

- Cretino babaca.

- A roceirinha não consegue lidar com a verdade.

Acabo por pegar o restante da garrafa e engulo frustrada.

- Você que não aceita a realidade! – rebato após alguns segundos.

- E qual seria ela?

- O mundo não está debaixo dos seus pés. Inclusive eu.

- Olha, pois eu poderia jurar que esse estresse todo tem uma pontinha a ver com o cara que vos fala.

- Some, por favor! Só te peço isso.

E ele não obedece. Vou buscar mais uma cerveja para mim e ele acaba pedindo outro tipo de bebida. Sento a mesa um tanto tonta em comparação aos primeiros goles, mas insisto em só essa última latinha. Para quem nunca bebeu, quatro garrafas de cerveja é muito.

Vicente volta e senta-se a minha frente. Ele observa cada passo meu de levar a cerveja a boca e voltá-la a mesa. Sabe que não estou tão disposta quanto no início. Minha visão gira levemente e apenas permaneço calada em minha pequena alucinação da realidade.

- Vicente. Onde é o banheiro?

- É no final do bar. - ele levanta e se agacha perto do meu rosto. - O que está sentindo? Eu sabia que iria ficar assim.

- Um pouco embrulhada.

- Quer ir ao banheiro ou para casa?

- Vou ao banheiro e depois quero que me leve em casa.

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