Capítulo 3

1.1K 110 28
                                        

EM RECONSCTRUÇÃO

A água escorre-me pelo corpo, lentamente, aquecendo-me por completo, nada me sabe melhor nestes dias gélidos, do que um banho quente. As trovoadas teimam em não amenizar e a chuva cai numa constante, como eu odeio este clima, só serve para ficar enrolada no cobertor o dia todo, colada aos ecrãs, a por em dia as inúmeras séries que tenho em atraso.

Estico a mão para agarrar no secador e nesse preciso momento, a janela da casa de banho abre-se, fazendo-me sobressaltar, trazendo consigo uma rajada de vento. Apresso-me a fecha-la um pouco atrapalhada, pelos arrepios que me causa no corpo, desisto da ideia e deixo o cabelo secar mesmo ao natural.

Caminho descalça pela casa com o carapuço do meu robe enfiado na cabeça e a minha enorme caneca de leite fumegante, é de manhã cedo, mas agarro em uma das cortinas e espreito para a rua desconfiada, parece que ainda estamos em plena noite, o sol insiste em não aparecer, este mau tempo é deprimente e o dia parece triste.

Debruço-me sobre a bancada da cozinha, com os cotovelos apoiados na mesma, enquanto revejo o meu correio electrónico para me certificar pela segunda vez de que não tenho trabalho para fazer. Sei que ainda é cedo, mas sou uma pessoa que se deixa entrar no tédio muito facilmente e tenho de encontrar sempre algo com que me entreter ou os meus próprios pensamentos entretêm-se comigo. 

Vagueio pelo calendário, quando de repente me assombro, ao perceber que dia é hoje.

O meu estomago contorce-se involuntariamente de dor.

A sensação é sempre tão semelhante e ao mesmo tempo tão diferente, como se levasse um enorme murro na barriga, sem ser avisada do momento, nem da intensidade.

Mas desta vez é diferente.

Somos tão novos e pensamos sempre que somos invencíveis, que a nossa vida apesar de por vezes nos testar e colocar a prova, que nada de tão péssimo nos pode acontecer, sonhamos com amores e uma vida linda e plena, que mesmo no topo da montanha mais alta no bico dos pés a fazer equilibrismo, sem segurança absolutamente nenhuma em redor, somos eternos e mesmo se cairmos, vamos viver para sempre. Mas nunca nos lembramos que quando pensamos um "só acontece aos outros", nós somos os outros dos outros.

Apresso-me pela casa ofegante, não de cansaço mas pelo nó que se apodera da minha garganta, chateada comigo própria.

A minha mente grita de cinquenta formas diferentes, principalmente por ser demasiado cedo para ele se dissipar de mim assim, das minhas memórias mais bonitas.

"- Porque é que fazemos sempre isto? - questiono sentada dentro do carro no lugar do pendura, com os joelhos junto ao peito virada na sua direção, enquanto a chuva cai sem parar.

- Shh, ouve apenas. - responde enquanto se encosta confortável ao banco do condutor com os olhos fechados, a agarrar-me na mão, fico a observa-lo durante longos minutos como em todas as vezes anteriores, até que sem saber bem o porquê, pela primeira vez faço o mesmo.

A agressividade da chuva torna-se aos poucos numa bonita melodia terapêutica ao bater no carro, os pelos dos meus braços arrepiam-se involuntariamente e deixo que a minha mente fique em branco, envolta em calma, fechada neste espaço pequeno que agora me parece todo um antro de paz e calmaria, como se tivesse uma capa de proteção por cima, mesmo com o reboliço do exterior. Sabe tão bem. 

Abro um dos olhos levemente quando a chuva ameniza e tento espreita-lo, para saber se está a sentir o mesmo que eu, assim que o faço, encontro o sorriso mais bonito de todo o sempre, com os seus olhos que brilham como faróis na minha direção. Sorriu-lhe de volta enquanto me sinto corar um pouco e percebo então o porquê de sempre que chove assim, ele me arrastar por um braço para dentro do carro dos pais. Não saímos da porta de casa, pois nenhum de nós tem ainda idade para conduzir, mas o som aqui é diferente. Sempre fui atenta às coisinhas mais pequenas e simples da vida e ele mesmo, foi quem me mostrou maior parte delas."

FallenOnde histórias criam vida. Descubra agora