EM RECONSTRUÇÃO
Fiz a viagem em um piscar de olhos, parece um comentário positivo da minha parte, mas não. Tenho dias em que me questiono em como aqui cheguei sã e salva. Sinto que viajei mais na minha cabeça do que na vida real agarrada àquele volante. Tento acreditar diariamente que isso se deve apenas à minha veia criativa e não a qualquer outro problema que possa ter dentro de mim. Há três anos que leio histórias aspirantes a livros, corrijo os erros, faço uma espécie de criticas construtivas em umas, outras vão direitas para a reciclagem, basicamente o meu trabalho é ver o que daria ou não para se lançar no mercado, o que tem ou não potencial.
Nem considero isso como um verdadeiro trabalho, obviamente que rouba imensas horas dos meus dias e não é qualquer pessoa que o faz, mas eu adoro ler e a melhor parte disso tudo, é que raramente preciso de me deslocar à empresa. Como todas as outras pessoas que lá trabalham, eu tenho o meu próprio gabinete, mas Christoph dá-nos a oportunidade de tratar de tudo em casa, não que não gostasse de lá estar, mas nada é melhor do que este conforto, entre trabalhar com paredes brancas como plano de fundo, ou ter como plano de fundo um jardim, uma praia, um café, ou as paredes repletas de memórias do meu quarto, claro que nem tenho de me esforçar para fazer essa escolha.
Ainda mal pousei as malas no chão e já ouço um cutucar na janela, só espero pelo dia em que tenha de substituir aquele vidro, é algo que em filmes clichê nunca aconteceu e questiono-me bastante sobre isso.
Deixo correr a cortina e instantaneamente sorrio. Sabem aquele amigo de infância com quem têm todas as primeiras experiencias desde que se lembram de existir até à atualidade? Aquele amigo de infância que é louco o suficiente para vos seguir para qualquer lado sem questionar os porquês? Que torna toda a tua vida tão mais leve pelo simples facto de existir por perto?
Bem, apresento-vos o Joey. O louco que se recusou em deixar de viver frente a frente comigo na nossa terra natal, então vive neste momento frente a frente comigo a quarenta minutos de lá. E há hábitos que não mudam, como atirar pedrinhas de gravilha à minha janela como se não tivesse uma condição financeira minimamente estável, para ter uma campainha ou uma simples porta, na qual bater.
A sua figura ultrapassa bem a minha quando me abraça e me eleva os pés do chão. Deixo-me rir porque podem passar semanas, podem passar dias ou podem passar miseras horas, a sua receção é sempre igual, com uma intensidade descomunal como se as saudades nunca terminassem. Aperto-o de volta contra mim enquanto o encho com mil e um beijos, se existe alguém com quem possa ser "eu" a cem por cento, é com ele.
O cabelo dele é cor de avelã e cheira a mar por baixo daquele capuz, o local da sua paz quando me ausento. Olho para ele, despenteado por todas as partes e nem me esforço em colocá-lo no lugar. Agarra-me nas bochechas para me analisar com os seus olhos azuis esverdeados com uma transparência absurda e sorri-me de lado.
- O que se passa contigo? - passo a mão na cara com a sua questão.
- Porquê? - olho para mim própria de cima a baixo e procuro algo de errado enquanto ele continua a sorrir com uns dentes estupidamente bonitos, brancos e alinhados.
- Estás bonita hoje... - diz numa gargalhada engraçada fazendo-me rodopiar e eu empurro-o afastando-o de mim. Já deveria ter calculado algo assim.
- Não me digas que estes dias aqui sem mim foram assim tão maus? - perguntei em ironia.
- Péssimos, horríveis, impossíveis mesmo! Não comi, não tomei banho, não sai de casa, não lavei os dentes, só bebi água porque era importante manter-me hidratado com todas as lágrimas que chorei... - falou sarcasticamente e esmagou-me a bochecha com um beijo.
Tal como tinha falado inicialmente, aquele amigo com quem temos todas as primeiras experiências, no meio de tantas primeiras coisas, Joey foi também a minha primeira paixão, o meu primeiro beijo, o meu primeiro encontro, mas também o primeiro desgosto amoroso de ambos, sem o querermos ser. Novamente clichê, mas bastante real e que atire a primeira pedra, quem nunca desistiu de alguém com medo de estragar uma amizade. Por bastante tempo pairou por cima de nós, todos os "e se?" possíveis e imaginários, secretamente culpamo-nos um pouco por não termos sido "mais" nesses termos um para o outro, mas amamo-nos o suficiente para que as coisas se mantenham assim, em certa parte tenho um conforto de criança inocente em que sei que nunca ficaremos sozinhos, após um pacto de cuspo, em que se até aos trinta não encontrarmos ninguém digno do nosso amor, nos casaríamos e seriamos felizes para sempre, com três filhos e dois labradores nunca cabana à beira mar.
- El, chega, por favor, esses pensamentos na tua cabeça sobre mim estão a ser demasiado detalhados! - atira e eu apenas lhe faço uma cara de nojo dando-lhe um novo empurrão.
Esqueci-me de salientar um facto engraçado sobre ele, ele tem um dom, lê pensamentos.
Estou a brincar. Se bem que por vezes parece que sim.
- Podes parar? Por mais interessante que pareça... - volta a rir e eu reviro-lhe os olhos interrompendo-o enquanto o puxo por um braço em direção ao interior da casa.
Por vezes tenho curiosidade em saber o que aconteceria se um de nós cedesse a alguma destas brincadeiras, mas por outro lado sei que ele nunca faria nada que pudesse por em causa o que até aqui conquistamos.
Mas, sabem quando são demasiado novos? Mas com idade suficiente para dar uns beijinhos? Mas não maturos o suficiente para explorar algo mais? Os nossos beijinhos iniciaram e terminaram dentro dessa fase e por vezes dou por mim com curiosidade, em como seria estar com ele em outros termos. Já tive os meus relacionamentos falhados, tal como ele teve os seus muitos, incontáveis, imensos, relacionamentos falhados, não que isso me incomode, de todo, mas já ambos explorámos corpos, sensações e sabemos como é todo aquele fogo, mas não sabemos nem iremos saber, como seriamos um para o outro, no nosso estado mais vulnerável carnal.
É normal ter curiosidade nisso? Os nossos beijos eram tão puros e cheios de inocência, com tantos cuidados, como seria perdermos um pouco dessa inocência, agora que somos adultos?
"Eleanor, esquece, por favor." - gritou desta vez a minha própria mente, repreendendo-me.
Ele é a pessoa mais incrível que já conheci, o carinho que tenho por ele é incalculável e não podia pedir um amigo melhor para ter ao meu lado, depois de tudo, depois de me ter salvo.
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Boas leituras!
Sarry, xx
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Fallen
ParanormalUm romance cheio de mistério, suspense, drama, criado principalmente para quem gosta de histórias emocionantes com fins imprevisíveis. "A sua única preocupação era conseguir ver o bonito sorriso dele a qualquer altura do seu dia. Haveria crianças ma...