EM RECONSTRUÇÃO
Arrasto os pés até à cozinha, não me preocupando o mínimo em estar enfiada num pijama estupidamente minúsculo e infantil, com o cabelo completamente num reboliço, parece que não tomo banho à dias e quando o fizer tenho de deixar o amaciador atuar neste cabelo por largos minutos ou nem a escova nele passa. Sinto que não dormia tão plena à meses. Ter uma criança durante dois dias aos meus cuidados tem os seus quês.
- Mana! – berra Isaac da sala. - Mana, estão a bater à porta! – berra novamente enquanto se levanta a correr até à janela.
- Já vou, já vou! – resmungo ensonada.
- Mana!
- Isaac... - choramingo indicando-lhe uma vez mais que o tinha ouvido e vou em direção à porta que abro sem olhar, continuando o meu caminho de volta à cozinha.
- Estamos bem humorados hoje. - observa e apenas o ignoro.
- Eu sabia que eras tu! - vocifera Isaac de forma estridente enquanto se abraça a Joey, fazendo com que instantaneamente ele o eleve no ar. Joey era o irmão mais velho que ele secretamente desejava ter sem me dizer, para não me deixar triste.
Ouço as suas gargalhadas inocentes enquanto me estico para retirar três tigelas do armário. Esta casa era tanto minha quanto dele, ambos tínhamos o mau hábito de não gostar de estar sozinhos em casa.
Isaac acompanha os seus movimentos atentamente com um olhar de admiração enquanto ele caminha na minha direção para me dar um beijo na bochecha. Este miúdo em certos aspetos é uma cópia minha.
- Bom dia borboleta. - ri ao observar o meu pijama repleto de borboletas azuis, ao qual lhe reviro os olhos enquanto nos preparo uns cereais.
- Sabes que a minha mãe me comprou uns tênis novos e hoje vou com a minha mana às compras para a festa das bruxas! - diz Isaac com entusiasmo presente em todo ele.
- A sério? - exclama Joey.
- Sim, espera, vou buscar para tu veres! - corre escadas acima.
- E nós? Também vamos à festa das bruxas? - fala com humor na voz, espreitando por cima do meu ombro, dando um pequeno toque na caixa de cereais para que encha mais a sua taça.
- Tu queres ir? - questiono na esperança de que ele me diga que não, que prefere tal como eu ficar enterrado no sofá a fazer um monte de nadas. Encosta-se à bancada a sorrir para mim. - Ah Joey, não tenho nada para usar. - digo preguiçosa e ele observa-me bastante expressivo, novamente da cabeça aos pés, de sobrancelha erguida.
- Podes ir de borboleta. - goza.
- Vou pensar nisso. - não queria nada, mas pela sua expressão, tenho a certeza absoluta que iriamos terminar a noite lá.
O Halloween aqui sempre foi das minhas festividades preferidas. Montam uma enorme fogueira na praia, com música, barraquinhas de bebida, no final da noite elegem o melhor fato e todos se divertem à volta da fogueira, mas sinto-me velha. Não de idade nem de espirito, mas é algo corporal, não sei se isso é uma consequência de se ter pais liberais que nos deixam aproveitar a juventude sem grandes restrições, sei que não é para todos, mas também sempre fui bastante responsável com os pés bem assentes no chão e sinto que comecei a aproveitar todo esse mundo tão cedo, que depressa me passou o entusiasmo de me mexer até lá. Sei que ao lá chegar vou pular a noite toda, mas todo o processo de ter de me preparar para tal, sinto-me exausta só de pensar.
- Se bateres assim no chão eles dão luz, vez? Piscam e a minha mana gosta, porque a minha mãe comprou-me e a minha mana também queria, mas o pé dela já não é de criança sabes? Porque os das luzes são só para crianças, olha aqui, vez a piscar? A minha mana já tem vinte e quatro anos, tu também és muito velho como ela? - ouço a conversa totalmente sã do meu irmão.
- Não, eu não sou velho, a tua mana é que é, achas que tenho quantos anos?
- Sete! - solta e eu grito por dentro, chego-me perto e dou-lhe um beijo na testa.
- Sempre soube que tinha um irmão inteligente. - digo enquanto tento conter o riso ao olhar Joey de lado.
A água fervente abraçava-me o corpo, por pouco não adormeci encostada à parede, a água massajava as minhas costas da maneira que eu estava mesmo a necessitar, por mim passava aqui horas, mas na vida de adulto há contas para pagar e uns pais quase a chegar para virem buscar o meu irmão de volta, para a festa das bruxas da sua faixa etária. Fechei a torneira e em gestos preguiçosos puxei uma toalha para me limpar, arrepiei-me toda assim que os meus pés tocaram no chão, lembrar-me do tapete era algo que não me assistia.
- Ei El, o teu telemóvel não para de tocar, acho que é o teu patrão. – ouço o trinco da porta e Joey aparece.
- Joey! – repreendo embrulhando-me melhor na toalha. Merda, tenho trabalho para enviar antes de sair de casa.
Ele caminha até mim como se eu não tivesse acabado de falar.
- Há algo de novo? – brinca observando-me com um ar engraçado. Nota geral sobre o Joey, ele sabe que algo em mim também mexe, não que esteja apaixonada, de todo, mas ele é fisicamente atraente e eu sou apenas uma menina, então ele gosta de me testar diariamente, com a certeza plena de que nada acontecerá.
- O que estás a fazer? - exclamo quando ele se começa a descalçar.
- Banho? - responde como se não fosse óbvio e despe a blusa.
- Podes apenas esperar que eu saia para que não tenha de arrancar os olhos? - ele fica apenas com o mínimo e encosta-se a mim, demasiado perto para quem tem apenas uma simples toalha entre nós.
- Vais fazê-lo agora? - questiona e sinto que iniciamos o jogo do sério com uma distância quase inexistente entre nós. Engulo em seco e sei que ele se apercebe que conseguiu o que quer, como sempre. Envergonhar-me.
- O quê? - gaguejo com os meus olhos nos dele e bato-me mentalmente por ter deixado a minha voz sair tão tremula. Ele aproxima os seus lábios do meu ouvido e sinto-o a captar uma gota de água perto do meu lóbulo. Por momentos quase me esqueço que estou a segurar uma toalha.
Dá-me um leve beijo e eu involuntariamente estremeço, mas é apenas uma reação corporal sem emoção. Desvia os meus cabelos para trás e sinto a sua respiração em mim. São nestes momentos que penso nos "e se?" impossíveis.
- Arrancar os olhos? - sussurra arrepiando-me por completo e parece que perdi a capacidade de soltar uma enorme gargalhada, apesar de ambos sabermos que o queria fazer.
- Mana, quero fazer xixi! – ouve-se a fina voz inesperada de Isaac que aparece por trás de nós sem avisar, fazendo-me saltar. Joey afasta-se lentamente com um ar engraçado e ambos nos deixamos rir com a sua inocência.
- Estou só a ensinar a tua mana a prender bem a toalha. – tosse numa mentira e eu deixo-me finalmente rir como uma perdida.
- Mana tu não sabes? - Isaac observa-nos confuso pelas minhas gargalhadas.
- É ambiente seguro para uma criança? - bem, estávamos cá todos. Observo Beth encostada à ombreira da porta e quase me engasgo com o riso.
- Despacha-te! - atiro a Joey, passando pelo meio deles para me preparar e só agora me apercebo, do quanto quente estava ali dentro, quando o fresco me entra nos pulmões.
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Fallen
ParanormalUm romance cheio de mistério, suspense, drama, criado principalmente para quem gosta de histórias emocionantes com fins imprevisíveis. "A sua única preocupação era conseguir ver o bonito sorriso dele a qualquer altura do seu dia. Haveria crianças ma...