[Memória On]
"O sol de final de dia passava em finos raios por entre as árvores de outono. As folhas secas dançavam pelo parque em rodopios e os nossos pés brincavam lentamente no chão para trás e para a frente fazendo-nos balançar ao de leve nos baloiços que chiavam pela ferrugem. Certamente teriam tanta idade quanto os nossos pais.
- Els... - chamou sentado ao meu lado enquanto brincava com as pedrinhas de areia por baixo de nós.
Uma rajada de vento quente beijou a minha face como se se despedindo para o rigoroso inverno que aí se assomava. Coloquei uma mecha do meu longo cabelo claro atrás de uma orelha.
– Achas que um dia nós iremos ser como os nossos pais? – perguntou baixinho na sua inocência e eu percebi que ele estava envergonhado.
Bem, a minha mãe era bastante bonita, de cabelos médios castanhos finalizados em canudos e olhos da mesma cor dos meus, verdes acinzentados. Os olhos dele provinham de ambos os progenitores, diversificados tons de verde, cinza, se olhasse atentamente encontrava ainda algumas pintas de azul céu... eles dependiam bastante do clima e do seu humor. Por norma andavam mais claros em dias mais luminosos e quando estava mais calmo e relaxado, se bem que quando ele chorava eles aclaravam visivelmente salientando mais os verdes claros misturados com os cinza. Quando se sentia zangado, eufórico ou cheio de entusiasmo e alegria a cima do normal, com as emoções mais à flor da pele, sim porque por norma ele era a pessoa mais feliz que eu conhecia, eles escureciam um pouco realçando mais os verdes escuros como o verde musgo.
Os nossos pais eram bonitos e boas pessoas, por isso gostava de um dia poder mesmo ser como eles.
- Acho que sim, eu gostava, somos muito parecidos com eles. – respondi com um sorriso mas ele apertou os lábios como se não fosse isso que queria ouvir.
- Não estou a falar dessa forma... - disse dando um impulso maior no baloiço e eu aí percebi que os seus olhos estavam escuros, apenas não sabia se se devia a estar-mos no final da tarde com o sol a desaparecer ou se se devia ao seu humor. – O teu pai e a tua mãe estão juntos. O meu pai e a minha mãe também... - senti-o a vaguear por longos segundos. – Eles foram melhores amigos primeiro, namorados depois, viveram juntos, depois casaram e tiveram-nos a nós. – afirma olhando para cima observando as nuvens que passavam empurradas pelo vento. – Achas que um dia também vamos ser assim como eles? – sentia-o com dificuldade em me encarar, então decidi parar o baloiço e esticar o braço para parar também o seu, ele era realmente extrovertido mas havia momentos em que conseguia ser bastante fechado.
- Estás a perguntar se um dia nós os dois iremos ficar juntos como eles? Tipo namorados? – pergunto com uma gargalhada e ele por fim encara-me com o sobrolho franzido.
- O que é que mete assim tanta piada? – pergunta e aí eu percebo que a cor dos seus olhos se deve mesmo ao humor, fazendo-me parar de rir sobre o assunto, brincando com o fundo do meu vestido de forma contida e tímida, sentindo-me repreendida.
- Nós nem gostamos um do outro dessa forma para poder-mos ser namorados. – prenunciei. Ele calou-se e senti-o suspirar pesadamente. – Não é? – inquiri com as bochechas a arder encarando-o enquanto ele observava o incerto.
- É. – simplesmente disse de cariz baixo.
Algo no fundo da minha barriga remexeu-se deixando-me desconfortável sem saber porquê.
Sabia lá eu o que era amar!
Será que era o que eu sentia pelos meus pais? Será que era o que eu sentia pela minha boneca favorita que os mesmos me tinham comprado como prenda de aniversário? Eu não podia dizer que gostava dele nem ele de mim. Era-mos demasiado pequenos para falar sobre esses assuntos. Isso são coisas de adultos, não de meninos de nove anos, porque é que ele me perguntou isto? A verdade é que me senti incomodada com a sua resposta e decidi que o fundo do meu vestido era mesmo a coisas mais interessante para se olhar neste momento.
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Fallen
ParanormalUm romance cheio de mistério, suspense, drama, criado principalmente para quem gosta de histórias emocionantes com fins imprevisíveis. "A sua única preocupação era conseguir ver o bonito sorriso dele a qualquer altura do seu dia. Haveria crianças ma...