EM RECONSTRUÇÃO
[Memórias On]
O dia estava ensolarado, os raios de luz iluminavam os seus bonitos caracóis que saltitavam enquanto ele se debruçava da janela da nossa nova casinha.
Era uma daquelas tardes de verão, o tipo de tarde que fica marcada nas memórias e na pele, como um perfume que nunca se esquece. A casa dos meus avós ficava ali perto da praia, perto o suficiente para os nossos pais nos deixarem ir sozinhos a pé.
- Entra El, não sejas medricas, anda lá, tenho uma surpresa para ti! – a sua suave voz de criança soava.
- Eu não sou medricas! – cruzei os meus braços sobre o peito. Eu tinha de lhe mostrar que era forte mesmo sendo apenas uma menina.
Aquele era o nosso novo lugar secreto. Uma casinha de madeira improvisada, contruida com pedaços de madeira que encontrámos ao longo de varios verões. Tinha um charme rustico, teto baixo e as paredes um pouco desfeitas, mas era o nosso sitio. Estava mais que entusiasmada para a ver terminada, sempre quis ter uma casinha na árvore mesmo não sendo grande fã de alturas, desistimos após imensas tentativas falhadas, então tentámos explorar outras opções mais realistas de serem construídas por duas crianças de doze anos.
As minhas mãos agarraram a madeira clara de um corrimão improvisado na entrada, pé ante pé fui andando cautelosamente enquanto ouvia os pequenos risinhos dele. Assim que entrei, apercebi-me de que a sua pequena mão estava esticada na minha direcção. Elevei o olhar e observei os seus bonitos olhos verde musgo que brilhavam para mim com um sorriso estampado no rosto.
Estava reticente com os últimos arranjos dele, mas mesmo assim não consegui evitar sorrir-lhe de volta. Assim que me permiti olhar em redor, não consegui conter a minha boca de se abrir em espanto. As janelas tinham bonitas cortinas brancas que flutuavam com a leve brisa de verão, deixando entrar os raios de sol que me aqueciam a pele. Ao canto existia um pequeno sofá castanho com duas almofadas, uma mesinha de madeira em outra ponta, a sua velha viola pousada nela junto a um pequeno copinho com malmequeres. Claro que ele teve ajuda aqui. Os meus olhos brilharam mas as surpresas não tinham acabado por ali. As suas bochechas coraram enquanto me observava no meu bonito vestido de praia, fluido branco, hoje era o meu aniversário. Mas como a maioria das crianças, eu não estava interessada em festas com balões. O que eu queria mesmo naquele dia, mais do que qualquer presente, era estar perto dele.
A sua mão enterrou-se dentro do seu bolso enquanto ele procurava por algo de forma atrapalhada.
- Parabéns El. – falou timidamente dando um passo em frente enquanto me entregava um pequeno envelope devidamente cuidado.
O meu interior aqueceu quando reparei no desajeitado coração que o enfeitava. Abri-o cuidadosamente e retirei do seu interior um bonito caça sonhos com duas felpudas penas penduradas, juntamente a elas estavam duas pequenas missangas com as nossas iniciais. Tentei esconder a cara com a vergonha, mal sabia ele o quanto feliz eu estava.
"Olá Eleanor! Hoje fazes 12 anos! Sei que não tenho muito jeito por isso fiz-te dois presentes. Espero que gostes da nossa casinha, pedi à minha mãe para me ajudar, como deves já ter reparado. Espero também que gostes do porta-chaves e que o uses sempre. Espero que sejamos amigos para sempre e mesmo quando formos velhinhos vamos usar o nosso esconderijo, combinado? Gosto muito de ti Els." – dizia o papel com a sua bonita letra arredondada e bem desenhada que se aprende inicialmente na escola.
- Eu disse que ia conseguir meter a casa de pé antes do teu dia! - diz com o seu sorriso maroto que eu tanto adorava. Sem aviso prévio saltei para os seus braços em um aperto de esmagar todos os ossos do corpo. A forma como ele fazia sempre tudo de modo a ficar perfeito. Largo-o e ele tem uma expressão de surpresa no rosto onde noto que se sente igualmente agradecido por mim, como se estivesse orgulhoso dele próprio por este feito.
- És o melhor! - os seus olhos brilham.
- É o teu aniversário Ely. - o meu coração apertou no peito quando me chamou Ely, era o único que o fazia. Mas tentei não mostrar o que sentia. A verdade é que naquela altura, ainda não sabia bem o que era aquele aperto no coração sempre que o tinha por perto.
A ideia dele na minha vida era algo que me fascinava desde sempre. Ele era aquele tipo de presença, que tornava tudo em uma enorme aventura, mesmo nos momentos mais simples. Aqui, em qualquer lado, éramos nós e o mundo lá fora parecia desaparecer. Até os nossos pais tinham desistido, pela enorme complicação que era manter-nos separados. Seja em tempo de escola, seja em tempo de ferias, seja em alturas festivas como Natal, páscoa, aniversários. As nossas mães eram melhores amigas desde sempre, tal como nós, secretamente penso até que tenham feito algum pacto para que fossemos inseparáveis como elas, mesmo com um ano de diferença um do outro. Sabia que ele era mais do que meu amigo, mais do que alguém com quem compartilho segredos, mais do que a minha companhia preferia, ele era o meu porto seguro, mesmo que ainda não soubesse o que isso significa.
Após uma guerra de areia em que ambos desistimos de ganhar, estávamos sujos, suados, a rir como se o mundo fosse só nosso, sentamo-nos à porta da casinha.
No final da tarde, o sol começava aos poucos a esconder-se no horizonte, pintando o céu de bonitos tons de laranja, rosa e roxo. Ele olhou para mim e encostei a cabeça no seu ombro sentados na areia. Mesmo sem o olhar, sabia que estava a sorrir de consolo, tal como eu, por termos tanto a certeza de que o tempo não tinha controlo sobre nós naquele lugar bonito.
- Acho que nunca me vou esquecer disto.- disse com a voz mais baixa que o habitual.
- Dist... disto o quê? - perguntei com o coração a acelerar sem razão e desencostei-me para o olhar.
- De nós. Da praia. De como somos agora. - disse meio hesitante e encolhe os ombros.
Não soube o que responder. Talvez porque no fundo também sentia o mesmo, mesmo sendo tão nova, sabia que aquilo era especial. Ele era especial. E aquele momento parecia maior do que tudo o resto.
Nunca poderia saber que aquele dia, com toda a sua inocência e simplicidade, seria uma das ultimas memórias que eu teria dele antes de tudo mudar.
O quanto eu me sentia em casa com ele.
Agora, passado tantos anos, quando penso nele, este é um dos meus momentos preferidos, volto imensas vezes a este momento. Àquela casinha improvisada, ao som das ondas e ao sorriso dele, que fazia o sol parecer mais quente e o mundo mais bonito. Se ao menos tivesse sabido o quão pouco tempo nos restava... talvez tivesse feito mais para guardar cada segundo.
Mal a nossa inocência sabia que o nosso para sempre seria tão curto, mal a nossa inocência sabia que ele nunca veria a nossa casinha em velhinho.
[Memórias Off]
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Hii there! :)
Talvez este capitulo na parte da "memória" seja ainda um pouco confuso para vocês, mas no próximo capitulo já irão compreender.
Espero que estejam a gostar! ♥
Se gostarem por favor partilhem, votem ou comentem, adoro ler as vossas opiniões sejam boas ou más, prometo que irei fazer o meu melhor para vos agradar! :)
Boas leituras!
Sarry, xx
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Fallen
ParanormalUm romance cheio de mistério, suspense, drama, criado principalmente para quem gosta de histórias emocionantes com fins imprevisíveis. "A sua única preocupação era conseguir ver o bonito sorriso dele a qualquer altura do seu dia. Haveria crianças ma...