Capítulo 5

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EM RECONSTRUÇÃO

O seu peito subia e descia enquanto eu o observava enrolado nos meus lençóis. O seu cabelo estava ligeiramente caído para o lado, preenchendo a almofada branca, um braço fora da cama e os lábios serrados. A sua respiração leve era a única coisa que se ouvia por entre estas quatro paredes.

Sorrio ao reparar na infantil luz de presença no canto do quarto, que há muito estava guardada no fundo de uma das gavetas, ele pensa em tudo para o meu bem estar. Às vezes sinto que o tomo demasiado por garantido e isso assusta-me, porque e se ele me falha? Não o digo em atitude, mas e se ele de um momento para o outro deixar de aqui estar também?

Joey trás me ao colo desde que me lembro de existirmos na vida um do outro.

Sinto que não está correto depositar tudo de mim nele, porque nesse tudo existe tanta coisa feia, uma bagagem de malas infinitas. Sinto que deposito nesta relação, toda a garantia de que nunca seremos de mais ninguém sem ser um do outro e que ele sempre cuidará de mim acima de todos. E tenho receio, que a partir de algum momento, me deixe levar pela minha loucura e deixe involuntariamente de me esforçar por ele, de fazer gestos para que não caiamos em monotonia, de agir de forma a nos amarmos novamente como no primeiro dia, como se ainda nos estivéssemos a conhecer, deixar de o alimentar emocionalmente, porque por anos o tomo como garantido e sei que tenho um holofote da parte dele em cima de mim. Sei que por vezes me desleixo e obrigo-me a que a consciência rápido bata de novo na minha testa quando saiu de mim e olho para nós, para o que somos, para o que temos, para o que nos tornamos.

Encolho as pernas até ao peito e respiro fundo enquanto contemplo a sua pureza natural. Por vezes acho que não o mereço.

- É nestes momentos em que me questiono, será que ela me está a observar tanto por eu ser tão lindo, ou será que se está apenas agora a aperceber do quanto feio eu sou. - a sua ensonada e lenta voz soou fazendo-me assustar, enquanto ele se espreguiça e uma gargalhada envergonhada e desleixada sai de mim, fazendo-me chegar para baixo e tapar de imediato a cara com a almofada.

- Desculpa. És um idiota. - digo. Penso por momentos, que ele possa ter adormecido novamente, pois não me responde e continua de olhos fechados. Apoio-me de lado para o observar um pouco mais até que chego à conclusão de que poderá mesmo ter adormecido. - Jo... - preparo-me para o chamar enquanto me tento levantar, mas caiu contra o seu peito, quando ele me puxa pelo cotovelo fazendo-me perder a força no braço em que me apoiava, cortando-me ainda a meio da fala.

- Não me voltes a chamar idiota. - diz demasiado perto de mim.

- Idiota. - desafio com um risinho à espera de alguma consequência, mas ele apenas me sorri de volta e empurra-me para fora da cama para se levantar também. Solto um suspiro de resignação, sei que ele me iria obrigar a sair.

Finalmente um pouco de sol nesta cidade. Pisco os olhos alguma vezes, parece que me lacera a vista, quase me sinto de ressaca. E na realidade estava, mas nunca ressaca de sentimentos.

A brisa marítima fazia-se sentir junto com o som das ondas do mar. Elizabeth descaça imediatamente os seus sapatos e um arrepio percorre-me de cima a baixo, a areia estava tão gelada. Este era o meu sitio preferido de todo o sempre. Em criança costumava percorrer este areal em todas as férias do verão, passava-o todo nesta cidade com os meus avós. Se existe algo para o qual a vida não te prepara, é para isso. Para ver a casa dos nossos avós ser fechada para sempre. A casa onde tive memórias tão lindas, onde aprendi a andar de bicicleta, onde aprendi a fazer bolos deliciosos, onde tomei incontáveis banhos de mangueira ao voltar da praia, onde passava horas do meu final de dia a fazer mil e uma questões de criança chata enquanto a minha avó cuidava tão deliciosamente do jardim que a rodeava, sempre de bata vestida e umas sandálias típicas de quase todos os idosos, questiono-me se algum dia atingirei novamente essa paz. Entrava por aquela porta, onde sempre que chegava estava um indescritível cheiro reconfortante de casa, de pertença. Pensei que nunca mais cá voltaria, pensei que não me voltasse a sentir nesse conforto. A realidade é que nunca mais nada foi igual, mas este diferente é bom.  Agora quem cuida do jardim sou eu, sinto que tenho de o manter impecável para ela. Passamos tanto tempo a querer crescer, não imaginando nem um terço do que é ser adulto, sabia lá eu que crescer seria assim tão complicado.

- Como te sentes hoje? - questiona ela.

- Melhor. - poucas têm sido as vezes em que ultimamente respondo realmente que estou bem. Estar bem implica tanta coisa e essa tanta coisa ainda está a um pequeno percurso de mim, portanto, posso dizer que estou melhor, porque em comparação com o dia de ontem, eu estou melhor e sei que ela confiava que sim. - Posso-te perguntar uma coisa? - digo assim que Joey está o suficiente afastado de nós. Ela consente com a cabeça. - Reparas-te se eu deixei as flores à porta de casa? - e sinto-a em silêncio como se me analisasse com igual dor. 

- Eu não sei El, estava tudo tão... rápido, mas quando chegamos de volta, elas estavam lá. - suspiro em rendição enquanto obverso Joey ao longe em uma luta infernal para apertar o seu fato com a prancha enterrada na areia. 

- Eu sei o que estás a pensar. - digo. Uma parte de mim sempre acreditará que ele nunca se foi. E ela sabe que o desejo ver todos os dias, como se estes míseros oito anos nunca tivessem passado. E querendo ou não, tenho plena consciência de quanto o fantasio na minha mente. O tempo por vezes parece estagnar e por mais que me esforce para ser forte, cada suspiro, cada lágrima, cada vez que prenuncio o seu nome, algo em mim morre e sobe até ele. Neste momento ele tem mais de mim do que eu própria tenho. Morreria mil vezes sem hesitar, se isso o trouxesse de volta.

Fecho os olhos sentada na areia, a sentir a brisa salgar-me a pele ainda morena, dos quentes dias do mês passado. Noah. Como soa tão bem aos meus ouvidos. As ondas rebentam perto de nós, enquanto encho aos mãos de areia e a deixo lentamente esvair-se delas. Ele está sentado ao meu lado de frente para mim, de costas para o mar. Sorri-me e eu pouso a cabeça no seu ombro. Também ele cheirava a mar. Já li mil e uma histórias de superação. Era revoltante saber que talvez nunca esteja incluída em nenhuma delas. Preciso de ti aqui para me trazeres igualmente de volta. Quero dizer-te o quanto me sinto sozinha, mas tenho consciência de que isso é tão egoísta. Eles esforçam-se tanto por mim e para mim.

- Pára! - guincha Beth fazendo-me sair deste mundo perfeito.

- Joey! - resmungo quando as pingas de água gelada me tocam mas ele não iria parar ao me atirar para trás deitado no meio de nós duas, com os seus cabelos molhados sobre a minha cara. - Joey... - repito num choramingo, quando ele os abana e os esfrega em mim. 

Sinto-me uma desistente, imóvel, apenas a olha-lo nos olhos e sinto que ele se esforça para me ler. Ficamos nessa posição pelo que me pareceu uma eternidade, tudo o que lhe consegui oferecer foi um pobre sorriso para nos quebrar. Nem sempre é tudo arco íris e borboletas, sei quase todos os segredos que aqueles olhos escondem e finjo diariamente que um deles não sou eu na sua mente desde que acorda até que se deita. Admiti-lo seria uma forma de tornar real algo que nunca poderá acontecer.

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Hii there! 

Boas leituras!

Sarry, xx







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