Capítulo 2

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Até o ar parece mais denso hoje.
Não vi Lino em parte nenhuma do casarão, assim como Mave. O bolo que D. Nina fez estava realmente bom e fez Lara se distrair um pouco.
Deixei-a brincando com a cozinheira e fui andar pela casa, só com meus pensamentos. Não é como se Lino estivesse de fato morrendo hoje, mas, é melancólico e um tanto depressivo ter uma "data de validade". Enquanto correm os 30 de ida, não se fala muito no assunto, é como se o tempo ainda fosse normal, ilimitado. Que besteira. Ninguém vive pra sempre de qualquer modo, e, se eu pudesse, iria querer? Sempre as mesmas angústias, os mesmos tédios, as mesmas pessoas, o mesmo nome...conto nos dedos as coisas realmente notáveis que aconteceram comigo, e elas não fazem valer a pena uma vida eterna. Mas Lino não pensa assim. Lino tem amor pelas coisas e pelas pessoas de um jeito tão intenso, que faz você ter um pouco também, ou pelo menos tentar. Ele tem a Mave, e a Lara, e a mim, se ele quiser ter. Ele trabalha no centro social da cidade, cuidando de crianças de rua, de pessoas dos 30 de volta que começam a sentir os sintomas das doenças, até dos animais de quem completou seus dias e já se foi. Ele achou seu Grande Motivo, que é cuidar dos outros, e isso me deixa feliz por ele. Queria ter a mesma sorte, e achar o por quê de estar aqui, fazendo essas coisas, sobrevivendo mesmo dia após dia nessa mansão fria de pedra e escuridão lamacenta que me puxa pra baixo me traga garganta a dentro e aprisiona e me isola de todos mas não me livra de mim e como dói...

-LUCAS! Lucas, tá tudo bem. Ei. Já passou.

Abro os olhos e estou com os joelhos dobrados no peito, encostado na parede e sentado no chão. Minha testa está coberta de suor, assim como minha camisa de algodão. Lino me encara com ternura e preocupação, ajoelhado no chão à minha frente.

-Pensei que já não tinha mais essas crises - ele diz suavemente - por favor, não diga que é por causa desse maldito Dia Dos Trinta.
-Não. - minha voz sai como um sussurro, entao limpo a garganta e repito, mas forte dessa vez. - Não, não é isso. E eu não tenho..tive mais nenhuma, não sei o que me deu, me desculpa. Estava indo pro meu quarto.

Me levanto e estico a roupa. Preciso sair daqui, antes que veja o olhar de pena que ele certamente esboça, como sempre. Saio andando pelo corredor e viro numa porta.

- Luke - ele chama.

Não vou responder. Vou seguir andando.

- O que foi?
- Seu quarto é pro outro lado.
-Ah! Ah.. Obrigado.

Cruzei com ele e abri a porta certa dessa vez.
Eu não sou louco. Já faz dois anos que não acontecia nada desse tipo. Nem de nenhum tipo. Foram dois anos de nada.
Deito na cama e olho pro teto, acabaram de dar 10:00, e já estou exausto. O Marco, meu amigo, marcou de vir almoçar aqui, espero que ele ainda venha. Ele tem 18 de ida, e sua namorada, Alice também. Ela é bem legal, e também vem hoje.
Resolvo descer e ficar um pouco com todos. Queria falar com a mãe antes do almoço, mas depois do que Lara disse, ela deve estar no quarto, sem querer ver ninguém e não quero incomodar, além do mais, se Lino contou pra ela de hoje, vou me sentir culpado. Mas é sempre tão bom falar com ela. Antes que eu me pare, já estou batendo na porta do seu quarto.

Antes que o tempo acabeOnde histórias criam vida. Descubra agora