Capítulo 27

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Assim que entro no Roger ligo o ar quente no máximo. Está literalmente congelando agora. Nunca saí de casa tão tarde da noite e não imaginava o frio que fazia a essa hora.
Ligo os faróis bem baixos, para não chamar mais atenção e vou saindo devagar pelo caminho de pedrinhas.
Paro o carro para abrir e portão e quase morro do coração.

Um vulto está parado na frente do meu carro, cercado de vapor do frio e com o rosto escondido na escuridão da noite. Até meus ossos tremem e sinto um calafrio.
Mais por uma questão psicológica do que qualquer coisa, pego o canivete e abro na faca maior. Vai saber.
Com os músculos vagamente me respondendo por causa do frio e do medo, acendo os faróis altos e de novo, quase tenho um ataque.
A pessoa parada no portão é Alice.

...

Meu primeiro instinto é tirá-la daquele frio e colocar um cobertor extra que estava no carro sobre ela. Quando me certifico de que minha...seja lá o que for, está respirando normalmente, atiro o mais seco que consigo.

- O que está fazendo aqui?

Ela vira a cabeça para me olhar nos olhos. Seus lábios estão rachados e suas bochechas vermelhas do frio.

- Eu tinha que vir...

O pequeno esforço de tentar falar faz com que seu nariz comece a sangrar. É claro que perco toda a pose de 'não me importo com você '.

- Ah meu Deus! Pega isso. Fique calada.

Pressiono um pedaço de papel higienico do porta luvas na narina esquerda dela, até que sinto o fluxo cessar. Tento me controlar para não gritar, muito, mas não consigo.

- Você é louca ou suicida?! O quê diabos fazia naquele inferno invertido sem estar agasalhada? Podia ter morrido se eu demorasse mais uns minutos! Como veio parar aqui?

Contrariando minha própria ordem para que se cale, eu grito com uma Alice encolhida no canto, mas não tiro os olhos da estrada, e já estou quase saindo do condomínio. Sorte Roger ter um aquecimento potente, por que senão ela já teria desmaiado de hipotermia.

- Eu...hum hum...Eu precisava vir.

Sua voz sai sussurrada e rouca. Depois de mais um pigarro, ela continua.

- Me perdoa. Eu não devia ter dito - uma pausa para tossir - aquela coisas horrorosas para você. Você não merecia. E está certo. Não precisa ser.... um sofrimento.... pessoal para ser sincero.

Então ela espirra. Umas 7 vezes.

- Ei.

Coloco minha mão sobre seu rosto de modo paternal, fazendo-a olhar para mim, e então faço um discurso maduro e sensato.

- Por mais que tenho machucado ouvir de você, e daquele jeito, acho que eu queria que alguém me sacudisse. Me trazer daquele mundo egoísta  e mostrar que não sou perfeito. Foi saudável,  sei que precisava disso.
- Não, não precisava.

Hesito.

- Droga, é verdade, não precisava. Foi desnecessário e ofensivo, e ainda estou chateado.
- Eu sei.

Já não sei mais o que dizer. Uma parte de mim, a parte teimosa, não quer perdoá-la assim facilmente por ser grossa daquele jeito. Só que a minha parte Lucas, a que me põe em encrencas, sente falta da amiga e está imensamente feliz por ela estar aqui com ele.

- Ah, vem cá.

Estaciono no acostamento e a puxo para um abraço. Ele diz coisas não ditas  de uma forma que nunca seria possivel verbalmente, e dissolve problemas de forma límpida e calma, passando, ao mesmo tempo, carinho e zelo de ambas as partes.

Ela sorri.

- Me desculpa.

Deixo que o carro fique em silêncio por alguns minutos. Organizo minha mente e repasso as últimas horas na cabeça. Estou tão confuso e assustado. Entretanto ao mesmo tempo nunca estive tão determinado  e ansioso por ação, e o fato de ter Alice comigo deixa tudo mais fácil.
É curioso como demoramos tanto tempo para construir uma amizade verdadeira e confiança , e só uma conversa para destruí-la. Dessa vez, conseguimos evitá-la e contornar nossos próprios problemas para, juntos, encarar o verdadeiro.

- Então,  Alice. Qual é o seu plano?

Antes que o tempo acabeOnde histórias criam vida. Descubra agora