Capítulo 9

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Bip...Bip...Bip...
Assim que desperto, sinto algo gelado entrando no meu braço, cheiro de antiséptico e uma terrível dor de cabeça.
Pelo menos já não sinto a fraqueza de ontem.
Lino está dormindo sentado na cadeira reclinável ao lado da minha cama/ maca, com a cabeça apoiada nas mãos. Quando tento me mexer só o suficiente para beber uma água, acabo esbarrando no pedestal do soro, que sai deslizando pelo quarto com estardalhaço. Que genial por rodinhas naquele troço. Meu irmão acorda com um sobressalto e um olhar cansado.

- Lucas. Você já acordou.
- Desculpa, só queria um pouco de água.
- Aqui, eu ajudo - diz meu irmão enquanto me passa um copo cheio do líquido.
- O que aconteceu? Digo, o que eu tenho?
- Luke, graças a Deus foi só um susto.
Ficamos tão preocupados, mas o médico disse que não foi nada sério, era uma infecção intestinal, mas já está tudo bem. Esperavam só que acordasse pra podermos ir pra casa.

Ficamos tão preocupados. Tenho certeza que sim. Minha mãe já está ótima, ainda bem que eu ajudo a mantê-la saudável...Até quando não tenho culpa eu tenho culpa.
Levanto com a ajuda de Lino, e logo uma enfermeira vem ajudar também, me desconectam do soro e posso pôr minhas roupas. Depois de mais algumas instruções sobre como tomar meus remédios e cuidar da minha saúde, estamos liberados para ir pra casa. Saímos da sala do Dr. Sandro e seguimos pelos corredores brancos até a porta de saída, mas no meio do caminho nos deparamos com uma daquelas placas de "piso molhado".
- Vamos dar a volta por aquele outro corredor.
- Boa ideia.
Digo ao Lino. Dobramos no corredor à esquerda, torcendo pra não nos perdermos no hospital, quando começamos a ouvir vozes. As vozes viram gritos, gritos desesperados de pura agonia, mas também de raiva. Uma tremenda algazarra se passa ao nosso lado, sirenes, macas voando pelos corredores e uma balbúrdia de vozes nervosas. Começo a entrar em pânico, não sei o que está acontecendo e Lino parece igualmente perdido, mas um pouco mais calmo. Imagino as coisas por quais ele passa no trabalho. Ele.nao fala muito disso, mas parece familiarizado com a azáfama dessa parte do prédio.
Avisto uma placa com os dizeres: "Área emergencial para carentes" e começo a entender o que está acontecendo quando eu vejo, no fim da sala, uma garota do tamanho da Lara deitada numa maca com uma barriga gigante e cheia de feridas. Uma mulher muito magra em vestes maltrapilhas, como as da menina, segura sua mão com um braço e segura um bebê no outro. O lugar está abarrotado de gente. Um homem aparentemente vítima de um incêndio passa por elas e tropeça na mulher, que derruba o bebê no chão sujo. Estou completamente congelado no meu lugar, observando a cena. Nem mesmo o choro da criança caída faz meus músculos se moverem. Começo a perceber um padrão nos chamados "carentes". Todos estão muito magros, com aparência doentia, olhos fundos, feridas, muitas feridas pelo corpo todo. Não são machucados acidentais, não todos, são ferimentos purulentos e infeccionados. A menina da maca encontra os meus olhos e o mundo se cala. Tudo se move em câmera lenta enquanto aqueles olhos me encaram sem qualquer emoção, sem um único vestígio de vida, de esperança.

- Os senhores não tem permissão para vir aqui, por favor, se retirem imediatamente.
Um homem todo vestido de branco nos repreende enquanto empurra corredor a fora. Com a quebra do olhar da menina meu corpo volta a responder. Olho pro Lino mas ele desvia o olhar. Deixamos que o homem nos ponha para fora da área e feche a porta atrás de nós.
- Lino, você viu aquelas pessoas? - Meu estômago está todo em nós, assim como minha cabeça. - O que era aquilo?

Quando meu irmão se vira, parece 20 anos mais velho. Seu olhar está húmido e triste como eu nunca o vi.

- Aquilo, Lucas, era o mundo real.

Antes que o tempo acabeOnde histórias criam vida. Descubra agora