Ainda são 21:00 quando chego em casa ( o sol se põe tarde, os dias ficaram mais longos e mais quentes a alguns séculos ), mas estou esgotado. Ligo o carro nos painéis solares e entro em casa. Em uma das lições escolares da minha mãe (faculdades foram mantidas) ela aprendeu sobre as formas de conseguir energia, e viu que 300 anos atrás havia uma abundância de recursos naturais, muita água, vento, matéria orgânica...tudo que poderia ser usado para produzir eletricidade. Só que, ao que parece, não foram bem usados, e tudo desmoronou. Hoje em dia usamos painéis solares em casa, mas por não termos outras escolhas, não para preservar o "meio ambiente". Nossa principal fonte de energia é magmática. Na Cidade Alta não temos vulcões mas dizem as lendas (como sempre) que logo após alguns quilômetros das fronteiras, é onde eles estão. Nunca fui investigar, mas as vezes tenho a impressão de ver fumaça escura sobrepondo a Cidade Baixa, mas como é muito distante, não dá para ter certeza. Por meio de um processo gasoso e muito caro, nossas usinas térmicas produzem energia, mas custa muito e poucos tem o luxo de tê-la em tempo integral. Na casa de Marco, que não é nada pobre, eles só tem por meio turno, de tarde até à madrugada. Claro que na minha casa temos, dinheiro nunca foi um problema.
É irônico pensar que temos tanto dinheiro para tudo, e pouca vida para usá-lo. Dinheiro não compraria o que queremos: tempo.
Deixo o carro conectado aos painéis solares e saio.
O estacionamento fica a poucos metros da porta, ligado por um caminho de pedrinhas brancas roladas margeadas por pequenos arbustos. O céu está negro e pastoso como sempre, não tem vento nem humidade mas faz bastante frio. Outra lenda: as estações do ano. Aqui é quente durante o dia e muito frio à noite, ponto final. Nada de folhas caindo, neve, flores brotando, sol e calor na medida...Não sei o que causava esses periodos, mas o que quer que seja, não causa mais. Pode ser por causa da "casca" de gás escuro que se formou em volta do planeta, ou talvez por algum fator externo...não sei.
Devia ser legal ter estações. Nunca pensei nisso desse jeito, por que nunca fez diferença para mim. Temos refrigeradores de ar, aquecedores à noite. Sempre conseguimos formar nosso próprio clima dentro de casa.De repente, algo me ocorre. Paro e me abaixo para tocar as folhas dos arbustos. São secas, leves... Nossa. Elas são de mentira. Vou percorrendo o tronco com os dedos. A planta toda é falsa, como a árvore da mãe! Como nunca reparei nisso, como nunca pensei! Tento arrancar a planta para ver as raízes, e ela sai de uma vez na minha mão, mas nada de raízes, só uma caixinha eletrônica que se encaixava na calçada.
Começo a olhar em volta, e só então reparo nos detalhes, marcas de encaixe, folhas muito brilhantes, textura seca... nada disso é de verdade...Pego uma pedra e rolo entre os dedos. Resina. Não consigo acreditar, nem as pedras SÃO pedras... vou andando pelo jardim que eu tanto gostava, tocando flores, troncos, rochas...falso, falso, falso. Quando dou por mim estou sentado na Clareira, olhando a grama, e adivinha só, é sintética! Cavo um pouco, e se a terra for falsa corto os pulsos agora. Mas não é. A terra ainda é terra mesmo. Deito de bruços na "grama" com os punhos fechados cheios de terra e começo a chorar. Tudo isso foi feito por alguém, nada, nada, nasceu por contra própria, ou tem vida. É um cenário de filme, algo forjado. E só depois de 17 estúpidos anos o garoto forjado reparou nisso. Ou na ausência dos chamados 'animais' . Ou na falta de chuva e neve. Uau...Eu nunca vi a chuva... como posso não ter reparado?
Mas eu até sei a resposta. Eu. Simplesmente. Não. Ligava. Tudo aqui é falso. Tudo.
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Antes que o tempo acabe
Science FictionEm um planeta Terra futurista (mas não tanto assim), o jovem Lucas leva a vida sem expectativas, sem o que ele chama de Grande Motivo. Em meio a seus problemas adolescentes, crises existenciais, obrigações e exigências da vida, e a perda de amigos e...