Capítulo 22

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Não entendo por quê estou tão nervoso, são só presentes.
Resolvo começar pelo pacote que veio na caixa do meu pai.

Com todo o cuidado, solto os fios metálicos da amarração e pego o objeto. É um pouco menor que um prato, frio, deve ser de metal, e tem a espessura de um dedo.

É um relógio de parede levemente elíptico, todo de prata e os ponteiros são finos e elegantes. Ele mostra os números de maneira estranha, o 12, por exemplo, está como a fração 36/3 e o 3 é 6/2 . Acho curioso, mas também legal. Ter que transformar para achar o resultado.

No envelope pardo, acho uma carta com o meu nome. Hesito.
O que meu pai falecido tem para me dizer? Que deseja Feliz aniversário?  Que onde quer que esteja está orgulhoso de mim? Ele tem motivos para isso?
É coisa demais para tão cedo no dia, e não estou preparado para ler o que diz, de modo que apenas guardo o papel na gaveta da cômoda. As fotos são lindas, mas um tanto nostálgicas e tristes, por que esse tempo não vai mais voltar. Eu e Lino correndo no jardim, brincando de pegar, meu pai e minha mãe comigo nos braços, ainda recém nascido, meus pais e uns amigos reunidos na frente de um prédio antigo, com um desenho atrás.
Acho que nunca vi essas pessoas por aqui. Não que queira dizer alguma coisa, por que parecem jovens nessa foto mas já devem estar nos trinta de volta, ou mortos.

Pego então o pacote da mãe.

Com as chaves do Roger ( é o nome do carro, achei que ele tinha cara de Roger), veio junto um saquinho preto.

Um colar. A corrente é toda de prata fulgente, intrincada com perfeição, mas não se compara ao pingente. Uma meio lua bem fina, como um sorriso, toda esculpida de espirais. É lindo, mas mais que isso, exala um poder. Não do tipo mágico, mas do tipo pulsante, que você sabe que tem algo especial. Nunca vi a lua desse jeito, mas nos livros vi esse fenômeno.
Chama-se 'lua crescente', e acontecia por causa do ângulo que o sol incidia na lua. Hoje só temos lua cheia, mas não tão brilhante. Talvez até por ser sempre lua cheia, tenha perdido a importância e a beleza de sê-la.  

Coloco o colar sobre o criado mudo, logo encima do meu livro velho, muito velho, chamado enciclopédia. Quase tudo que eu sei vem dele, pena que só tenho 3 volumes, o 04, o 12 e o 26. Fico imaginado até onde vai a coleção. Será que o 26 é o último?  Se não, quantos tem depois? Será que eles ainda existem?  É mesmo uma ordem, ou os números significam outra coisa?
Assim que começo a divagar sobre o assunto, Lino me chama da porta:

- Luke, está tudo na mesa, você vem agora?
- Sim, já estou indo!

Hm...Sinto o cheiro da carne com batatas encher minha boca de água.

Batatas...carne...vegetal e animal, de acordo com a Enciclopédia. Mas, as plantas da Cidade Alta são falsas, e nunca vi um animal vivo. De onde então vem nossa comida?

Penduro meu relógio 'novo' na parede, ao lado da minha janela e coloco o colar de meia lua. Com uma olhada no espelho, saio do quarto e desço as escadas.

- Lucas! Olha só quem está aqui!?

Lara grita para mim.

- Feliz aniversário garotão!
- Marco! Alice!

Estão parados perto da porta, sorrindo para mim. Marco segura um pacote nos braços.
De repente, o sorriso de Alice some sem explicação, e seu rosto fica branco. Parece que ela viu um fantasma.
Encaro ela até que nossos olhos se encontram, e vejo desespero dentro deles. Vou caminhando até eles, ela parece uma estátua de cera, e Marco parece alheio ao que aconteceu. Tento chegar até Alice, para perguntar o que houve, mas sou interceptado por um Marco que me abraça.

- Um pequeno presente, amigo.
- Obrigado, não precisava Marco.
- Aham...

Ambos rimos, e Alice me encara séria, mas com olhar vago, como se olhasse através de mim.

Rasgo o pacote de Marco e tem um casaco dentro, azul bem escuro e com capuz e bolsos. Ele acertou no tamanho, dessa vez.

- Obrigado, cara. Gostei bastante.
- Que bom, já almoçou?
- Estava indo agora, vamos comigo.

Sentamos a mesa,e a impressão que tenho é de que Alice vai sair correndo a qualquer momento. Está sentada na beira da cadeira, meio virada de lado, e não encostou na mesa. Ela também está inclinada para trás, bem longe de mim.
O que diabos há com ela?



Antes que o tempo acabeOnde histórias criam vida. Descubra agora