Assim que nos sentamos todos à mesa, Lino, Mave, Lara, a mãe, eu e Escobar, o irmão de Mave, sei com toda certeza de que jamais vou querer um jantar do Dia Dos Trinta. Começamos a comer em silêncio, tensão nadando na sala de jantar tão grossa que podemos senti-la contra a pele. O Orador chegará em instantes, para fazer o discurso de boa sorte pro Lino.
A situação fica razoavelmente mais leve quando chegam os pratos de sobremesa, coloridos e apetitosos e Lara exclama um "Oh!" de genuíno prazer. Todos acabam rindo e uma conversa discreta se desenrola enquanto comemos os doces, mas uma batida na porta faz a comida bater no fundo do meu estômago com um baque repentino. É claro que essa hora ia chegar, e novamente me lembro de não querer um maldito jantar. Se é que terei escolha.- Com licença. - diz o mordomo - O Orador espera na sala de visitas, senhores.
- Obrigada, Lúcio. Já estamos indo. - Minha mãe responde e com um curvar de costas, Lúcio se retira da sala.- Bem, vamos lá, então. - Lino sorri, tentando elevar o clima pesado que se instaurou.
- Está tudo bem, Vida? - Mave pergunta ao marido.
- Sim. De verdade, vamos para a sala.A passos silenciosos todos seguem até à sala de visitas.
- Boa noite. - Diz o Orador. - Vamos começar?
- Sim. - minha mãe responde. Ela parece cansada, com os olhos húmidos e a voz rouca, como que segurando a borda dos sentimentos. Sinto por ela, mas ele ainda tem 30 anos pela frente. 30 anos debilitados, meus pensamentos me corrigem. Mas mesmo assim, é melhor que não ter mais nenhum. É da vida do seu irmão que estamos falando. É verdade, mas Lino não gosta que sofram por ele, ele prefere ser lembrado pelas coisas boa que tem, não por suas mazelas. Não se importa se ele morrer? É claro...que loucura, estou brigando comigo mesmo. Não posso ficar nessa zona da minha mente, não é saudável para mim, nem pra quem está a minha volta. Em meio a essa conversa comigo mesmo, já perdi a parte em que o Orador fala sobre a origem da nossa miséria, diz que fizeram o possível e que estamos aqui hoje para saudar Leandro Cosanto, ...- Que toda a saúde e serenidade decaia sobre você, Leandro, Lino. Que todas as bênçãos dos anjos te protejam e governem durante esses anos que tens pela frente. Sua família é seu bem mais precioso, cuide deles, que eles cuidarão de ti. O tempo, para aqueles que não se importam, só faz falta quando já não o temos. Cuide-se, Lino, e lembre-se: " O futuro é o presente que fazemos".
- "O futuro é o presente que fazemos". - Respondemos em coro o lema do nosso país.
- Boa noite a todos, e boa sorte, Leandro.
- Obrigada. Boa noite, senhor. - Lino responde.Finalizados os cumprimentos, o Orador sai da sala e depois de alguns segundos ouvimos a porta fechando. Ele é uma pessoa muito respeitada entre todos. O Orador sempre tem mais de 7 anos de volta, e exerce o cargo até quando pode, o Zero, então entra um novo, nomeado e ensinado pelo próprio. É venerável, mas muito funesto. Ele é encarregado pelos discursos de nascimento, Dia dos Trinta, e Zero. Jamais poderia ser orador.
Suspiro. Tem tantas coisas que jamais poderia ser.
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Antes que o tempo acabe
Science FictionEm um planeta Terra futurista (mas não tanto assim), o jovem Lucas leva a vida sem expectativas, sem o que ele chama de Grande Motivo. Em meio a seus problemas adolescentes, crises existenciais, obrigações e exigências da vida, e a perda de amigos e...