Não me ameace com um bom momento
Mas é um sentimento e tanto
— Panic! At The Disco***
— Sabe a que horas elas voltam?
— Mais ou menos daqui meia hora. Se quiser olhar a casa, seu quarto fica aos fundos, porta à esquerda.
O fiscal preenche alguns formulários e espera que eu me afaste para ocupar o tempo de meu novo responsável com outros dados importantes. Voltando à trilha, as garotas correm atrás de suas bonecas cabeludas e os poucos meninos estão mais ocupados em construírem fortalezas de blocos a ligarem para as ordens dos responsáveis. Eles me fazem lembrar meu irmão, brincando comigo nos jardins de casa nas tardes de outono onde fazíamos máscaras de Halloween com todo o pessoal da rua e saíamos para a competição de qual bairro pegava mais doces. Eu nunca comia nenhum, mas ele sempre ficava feliz quando via que tínhamos mantido a vitória de cada ano.
Sinto falta dele. Achei que continuaríamos fazendo aquilo até entrarmos na faculdade.
Ao abrir as portas, vejo que a bagunça de fora não entrou. A sala da lareira e a cozinha estão perfeitamente cuidadas, como em um museu francês. Uma música suave saía da caixa-de-som ao lado da televisão gigante que o casal deve ter acabado de parcelar em 48 vezes. Livros e esculturas de animais empalhados acalmam o ambiente, embora eu não goste nem um pouco da coruja de olhos perfeitos me encarando como se soubesse de todos os meus pecados.
Subo os degraus à esquerda, tomando cuidado para não trombar na coleção de quadros ou me enroscar no tapete branco felpudo. Diferente do andar inferior, este é mais calmo. A cor clara dos lustres e paredes me faz sentir certa comodidade, mesmo sem nunca ter estado aqui antes.
No fim do corredor, avisto duas portas principais. À esquerda, há o quarto de casal em tons escuros, sacada e banheiro enorme com hidro, o que não me parece digno a uma menina nova. Faço minhas necessidades e, quando encaro meu reflexo no espelho, ouço uma vibração vinda do cômodo seguinte. A canção chega suave aos meus ouvidos e um arrepio me percorre a espinha. Quem teria uma voz tão bela?
Então, possivelmente, Thomas é o único em casa. Não sei de onde, mas uma ideia maluca passa por minha cabeça no exato momento em que a sinto. E se eu o convencesse a me ajudar? Mostrar aos Halder que não quero ser tratada como uma filha, e sim como uma convidada. Tenho que bolar um plano. O que fazer para que ele entenda meu lado, explicar meus sentimentos para os pais? Hm... se os filmes me ensinaram alguma coisa, foi procurar acusações.
Os saltos das minhas botas batem no taco lustrado à medida que me aproximo. Tom deve estar tão acostumado às idas e vindas que nem se importa mais com alguém querendo explorar a casa. Percebo a maçaneta destrancada, assim me dando possibilidade de entrar.
Ali tudo é idêntico ao primeiro cômodo, exceto pelo guarda-roupas repleto de pôsteres de bandas antigas e um conjunto de guitarras e violões na mesinha central. A velha história das bandas adolescentes ainda existe?
Abro as gavetas dos móveis. Não há nada além de meias passadas e roupas íntimas. Aquele filme poderia não me ajudar em nada, mas não custa tentar achar o que estou pensando. Seria loucura se eu realmente conseguisse!
Entretanto, superando todas as expectativas, passo a atenção para a cômoda. Encontro moletons incríveis, calças rasgadas e camisetas vinte números menores se comparadas àquelas que o garoto gordo deveria usar, provando que Thomas não é mais o mesmo. Julgar a família antes de conhecê-la foi um erro, pois eles praticamente são outras pessoas!
E acho que me encrenquei, pois a ducha parou de funcionar e alguém está chegando para se trocar.
Sem escolha, largo uma camiseta preta sobre a cama e me escondo sob ela. Escuto seu celular tocar uma canção aleatória muito pesada para meus ouvidos. Os pingos d'água quente escorrem por suas pernas lisas definidas e eu poderia ter um orgasmo se o visse. Loiro de olhos âmbares, quem poderia aguentar algo assim?!
Thomas coloca uma cueca box, depois uma bermuda jeans nada apropriada para um aniversário. Sinto sua desconfiança ao ver a camisa jogada no cobertor, mas ele não discute ao vesti-la, sem parar de cantar ao menos uma nota. O que ganho em troca é o grito agudo de seu pai: "Tom, sua mãe chegou!".
Meu meio-irmão pega o celular, desliga-o e corre porta afora. Assim, saio do esconderijo improvisado para prosseguir com meu método infalível quase inexistente.
Como se os deuses estivesse ao meu favor, passo a mão pelo fundo falso da gaveta e encontro "A Revista Pornográfica". Não era nada comparado a um cigarro, um pouco de maconha ou até haxixe, mas acho que isso serve contra uma família conservadora, não? Meu instinto nunca falha, e tenho certeza de que o plano para os Halder seguirá na mesma linha.
O cara está perdido em minhas mãos.
— Chelsea
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Hell Girl | COMPLETO
Mystery / ThrillerChelsea, uma garota amaldiçoada por entidades e mortes de seu passado, agora é confinada em uma nova vida dupla, ramificada entre conseguir se misturar entre os normais e desvendar a misteriosa onda de assassinatos que continua perseguindo-a aonde q...