27. O temido amor

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Estou apaixonado pela primeira vez
Você não sabe se irá durar?
— The Beatles

***

Batidas na porta. De início, acordo sem saber onde estou e logo o teto do quarto não está mais tão indecifrável. Ainda uso minha fantasia de Morte, um pouco mais imunda do que pensei estar, mas não me lembro ao certo como vim parar aqui.

Em um momento, a companhia de meu irmão era a melhor que eu poderia ter. Depois, para infelicidade, o diretor o estragou. Deu-me algo suspeito, porém devo estar tão cansada que confundo uma simples ação com um ato de maldade. Sendo uma droga ou não, cair no armário do zelador, fedendo a produtos de limpeza e grama cortada, e despertar em minha cama é muito estranho, até mesmo suspeito. Bom, tenho que levar a exaustão em consideração, então me preocupar com esse tipo de coisa em momentos delicados não me leva a nada.

— Chelsea? — Alguém pergunta do outro lado. Suas palavras chegam zonzas aos meus ouvidos. — Abra, é o Tom!

Uma luzinha se acende no fundo de minha alma. Céus, ele está aqui! Não sumiu, não me deixou sozinha! Destranco a porta e encaro sua figura adormecida. As olheiras cobrem seus olhos âmbares, mas o cabelo loiro é a pior parte: está todo enrolado no chapéu repleto de grampos.

— Você está bem? — Antes que eu responda, ele me puxa para perto e sela nossos lábios. Sinto o gosto da bebida alcoólica, do doce de abóbora e mais outra sobremesa.

— Claro! Só tive uma tontura. Lamento por não ter avisado que voltaria para...

O Chapeleiro enlouquece. Entra no aposento sem mais nem menos, mantendo a postura cansada e as luzes apagadas. Por que Thomas agia dessa forma? Se fosse quanto às investidas do professor de geografia, não havia motivos para se irritar tanto.

— Não te avisei que não era para ter vindo sozinha? Temos um bandido à solta, Sya!

— Bom, devo lembrar que não sou uma princesinha indefesa. Eu sou a Morte!

Ele não acha graça da brincadeira, tanto é que largo a foice de papelão no tapete. A luz prateada atravessava a sacada, ressaltando a postura impiedosa dele.

— Sem brincadeiras. Você... não imagina o que aconteceu depois que veio para cá.

Um calafrio percorre minha espinha. Bem no fundo, eu sabia que não era boa coisa.

— Melissa se matou — Thomas suspira por alguns segundos. — E os bombeiros tiveram que chamar a polícia depois de uma denúncia anônima. Jimmy foi atropelado. Arrastado pelo asfalto.

As duas notícias chegam a mim como se um taco de golfe tivesse me batido por uma tarde inteira na cabeça.

Não, era impossível.

Duas pessoas da nossa escola terem morrido na mesma noite e justamente eles. Eu os odiava, mas o ódio não significa desejar uma perda tão horrível.

— Por quê? — Gaguejo as únicas palavras que consigo. — Não, viram errado, Tom. Não...

É estranho. Sentir a morte tão próxima faz com que você se sinta vulnerável, pensando que poderia ter sido sua hora ao invés da deles. Melissa e Jimmy poderiam ser os dois mais babacas daquele colégio (depois de Jack e Donnie, talvez), mas não havia motivos para se matarem ou serem mortos.

Ela era tão jovem. E ele... bom, podia servir para mais alguma coisa além de mecânica.

— Não minta para si mesma, sabíamos que ela era um pouco solitária demais.

Hell Girl | COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora