33. Nosso funeral

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Que minha juventude descanse em paz
E você pode chamar isto de funeral
— The Neighborhood

***

— Chelsea? — Chama Thomas de dentro do carro. Estou há quase quinze minutos presa no restaurante. — Por que fugiu?

— Não quero ouvir os sermões de sua mãe mais uma vez. Já basta tudo o que aconteceu nesses últimos dias.

O loiro percebe que a fila do drive-thru reclama atrás dele. O carro estaciona em um canteiro ao lado enquanto engulo um punhado de batatas fritas secas. Por fim, avisto meu irmão em minha frente com um moletom preto enorme no ombro e, pela cara fechada, é certa a bronca que vou levar.

— Ela não podia permitir isso, os assassinatos ainda não têm explicação.

— Me poupe, você acha mesmo que preciso dessa proteção?

— Sim, porque você é a mais instável dessa família e precisa de ajuda.

Bufo, profundamente chateada por tudo estar dando errado, sentindo que sou responsável pela onda de violência que se alastrou por toda a cidade. Não ser capaz de controlar minhas atitudes rebeldes parecia uma maldição. As tentativas seriam falhas, pois continuarei sendo a acusada principal de meus pensamentos mais profundos. Posso ter as melhores intenções, mas sei que a primeira impressão de uma garota louca é quase impossível de se moldar pela segunda vez.

— Todo mundo ficou assustado quando o primeiro caso aconteceu bem perto de você. A mamãe não quer que se machuque.

— Mas eu sei me cuidar!

Não tenho total certeza. Há vezes em que me distraio, mesmo que dentro de casa, e meus passos se perdem em meio ao corredor. Para alguém tentar o pior mal, por exemplo, bastariam meros segundos. Então, em partes, a família Halder tem razão em me manter presa pelo menos até o criminoso ser pego.

Caramba, por que sempre trago tanta confusão por onde passo? Meu plano inicial era de que jamais me tratassem como um deles a agora já estão praticamente costurando meias com nossos nomes. Nunca quis que nada daquilo acontecesse.

Porém, eu também não imaginava tamanho número de crimes hediondos. Na verdade, a população inteira nunca imaginou, o que deu ao culpado uma vantagem. Quem estaria preparado para enfrentá-lo?

— Chelsea? — Tom me cutuca quando vê que adormeci. — Não consegue levar nada a sério!

— Cansei de ter que levar tudo a sério. Não viu o que a seriedade faz com as pessoas? Elas estão ficando loucas com essas mortes. Não vivem mais tranquilas! Eu queria que ninguém mais sofresse.

Tomo um gole do suco de laranja para relaxar mais. Meus músculos ficaram tensos desde a chegada de Tom, ou talvez desde quando Vicy gritou comigo porque descobrira que eu tinha dado uma volta pelo bairro na noite anterior.

Mal sabia que, na verdade, eu não fazia a mínima ideia de como parei no quintal do vizinho. Aquelas roupas estavam imundas e minhas pernas doíam tanto que cheguei a não senti-las. Também havia um cheiro estranho impregnado nelas, forte demais para ser de alguma erva ou animal. Era algo químico que me torturava. Tão desnorteada fiquei que vaguei sem rumo por meia hora antes de encontrar a casa dos Halder. Thomas nem notou minha saída por ter trancado a porta, mas sua mãe sim, só pelo barulho que fiz ao escalar a sacada. Vicy me obrigou a obedecê-la e me tirou as chaves das janelas. E sim, fiquei farta por aguentar suas ordens sem sentido e um amor que eu não desejava.

Esperei para fugir com os centavos restantes no bolso da nova calça. Parei neste pequeno restaurante fast-food afogada em um choro de ódio sem fim até que a noite caísse e Tom se encontrasse exatamente onde estava. Mas, idas e vindas à parte, não senti a dor indo embora, apenas o medo me consumindo.

Hell Girl | COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora