05. Estrago festivo

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A festa é minha e eu choro se quiser (...)
Vou chorar até que minha festa de dar pena esteja em chamas
Melanie Martinez

***

— Cara, que peitos...!

A bandinha de Thomas estava lá para um ensaio. Passo despercebida por ele, mas um dos caras, provavelmente o baterista, me encarou. Como se já não fosse constrangedor o suficiente, ainda teve a cara de pau de resmungar essa baboseira no meu ouvido. Sabia que Munhoz tinha escolhido essas roupas por um propósito.

Dmitry continuava a encher os balões, desta vez com a ajuda de uma mulher baixinha, ruivona e forte para a idade. Eles brincavam com duas meninas de seis anos, e não me notaram até que Úrsula, usando roupas pretas e pingentes no nariz, reclamava de algo envolvendo seu chiclete.

Minha nova mãe abriu a boca em um "o" perfeito:

— Filha! — Vicy rompe o espaço que nos separa e envolve os braços carnudos contra meu peito. Quase a estapeio, mas me contenho por um momento. Aquela seria minha nova família, e provável que eu nunca mais ache nada melhor. — Dmitry disse o quanto era bonita. Não achei que fosse tanto!

Devo ter ruborizado bastante, pois as gêmeas riem de minha expressão. Úrsula continua mascando o chiclete, movendo as pernas branquelas em um único ponto. Admito que, em sete meses, todos mudaram muito, e o filho primogênito havia se transformado em outro homem. Muito mais sexy, claro.

O bolo tinha três camadas de chocolate e uma menorzinha recheada com baunilha e cerejas enormes. Desenhos de notas musicais e histórias infantis decoravam as muretas da ala do churrasco enquanto a oliveira com balanço de roda, a piscina reluzente e a cerca branca alta não escaparam dos enfeites brilhantes de isopor. Meus pais nunca teriam dinheiro para bancar metade dessas baboseiras. Os doces seriam, mesmo com os medicamentos ajudando desde o ano passado, os primeiros a saírem do cardápio, e ninguém quer um aniversário sem doces de sobra. Tenho uma taxa máxima de açúcar para consumir, não posso passar nem um tiquinho dela.

Quando todos estão com seus bichinhos em mãos, Dmitry os chama para perto da mesa arredondada que guarda as guloseimas e balas de coco. Essas são minhas preferidas. O médico disse que passam longe de me fazer tão mal quanto um pirulito, por exemplo.

As gêmeas vestem chapeuzinhos de unicórnios, um vermelho e outro rosa, começando a bater palminhas no ritmo das canções ao vivo. Estou escondida atrás do balanço. É dessa forma que o casal de filhos mais velho não consegue me ver.

Os convidados cantam mais alto no final da música. Duas moças servem o bufê infantil em pratinhos de plástico brancos, que foi bem trabalhado, porém prefiro passar longe. O tanto máximo de sacarose passaria do permitido para uma semana.

Vicy vê como estou solitária e me puxa para conhecer alguns amigos dela. Até sou apresentada à coordenadora do colégio local, Pathy, mas não quero pensar na escola em plena sexta-feira. Meu êxito ao buscar provas contra Thomas já valeu por hoje.

Após vinte minutos cumprimentando desde seu personal ao seu nutricionista, consigo encontrar uma mesa distante para me sentar e admirar a vista da piscina. Não quero atrapalhar ninguém no primeiro dia fora daquela prisão, nem que os novos pais estejam sendo tão legais e bajuladores.

Como posso saber se estou bonita se não existe a palavra "espelho" na instituição? Minha aparência pode ter mudado em pouquíssimo tempo. Meus cabelos castanhos, feito as avelãs que caem no outono, cresceram bastante, então podem estar armados ou crespos demais. Não importa o que digam, ainda me sinto o pior ser humano do mundo.

Beberico um pouco de água. Espero que o tempo passe logo, mas é inevitável não se envolver por aqui. Acabo roubando as balas que sobraram, comendo-as sob a oliveira. Dmitry, fumando o segundo cigarro, ri como se eu fosse sua menininha de cinco anos em uma fantasia de bailarina. Meu verdadeiro pai ria quando me via assim.

A noite caiu. Úrsula corre para o quarto, daí percebo que seu irmão não apareceu a tarde inteira. Um ensaio não demoraria tanto.

Os Halder não me fizeram perguntas. Nem minhas irmãs ou o ex-gordinho loiraço. Estou entediada, nada queria me divertir.

Começo, desesperadamente, a olhar para além da cerca. Um vulto passara correndo por cima dela, desaparecendo logo em seguida pela rua escura. Minha cicatriz queima. Algo estava errado, me observando. Isso devia estar correndo bem, não é?

Então por que tenho um pressentimento tão horrível?

Chelsea

Hell Girl | COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora