23. Pode beijar a dama

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Noite passada eu desmoronei
Quebrei meu coração inchado
— Awolnation

***

— Olho para você — ele diz a Chelsea poucos dias depois do assassinato. — e vejo que nada está bem.

— Estou bem, é sua impressão.

— Não, Sya. Aquilo poderia ter acontecido comigo, com você, mas por sorte foi apenas um mendigo.

— Nem conhecíamos o cara, Thomas, deixe de ser cínico! — Grita a garota. O moletom azul esconde seus braços arrepiados apenas por lembrar-se das sirenes e interrogatórios que fizeram a todos no local. — Contamos a eles que desmaiei, que eu poderia ter ajudado a deter quem quer que tivesse feito aquilo!

Os olhos esmeraldas de Chelsea cintilam na escuridão do quarto, interrompida pela luz fraca da televisão apresentando um jogo ultrapassado de controle remoto. Seu irmão, deitado na cama lendo um livro, não sabia o que dizer para acalmá-la.

— Não foi sua culpa, entendeu?

— Vomitei muito. O médico disse que a convulsão foi forte. Tenho que tomar cuidado para a pressão não cair.

Ambos pararam de conversar por um momento. Nenhum de seus amigos, fossem os novos ou antigos, ligava meio por cento para ela se comparados a Thomas. Ela se lembrava da vulgaridade ao trocá-lo pelas garotas populares da cidade e se sentiu culpada por abandonar sua melhor amiga com aquele assassino solto por aí. Foi orgulhosa por não contar nada sobre si mesma e fingir que o passado não existia.

No entanto, sabia que alguns segredos não poderiam ser revelados se quisesse continuar com uma vida normal. Era sua sentença ter que conviver com eles para sempre.

Chelsea prossegue jogando enquanto o loiro, usando seus óculos de grau forte, se distraía com uma distopia qualquer.

— Eu... só me preocupo — diz o garoto, baixinho.

Ela se vira em sua direção.

— É estranho. Pensar que nossos pais nem pensam em mim se comparados a você. Sinto como se um anjo da guarda ficasse em meus ombros a todo momento.

As bochechas dele coram. Era tarde, ninguém estava em casa.

— Sabe, gosto de você. Parece meio insano, mas não temos o mesmo sangue.

— Gostar de mim? Sério?

O sorriso de Chelsea ilumina sua mente no escuro quase total. Ele tinha certeza de que uma garota daquelas não poderia não ser amada.

— Esse seu jeito irrita.

— Tenho tantos jeitos, Tom...

— Você nos trocou, me ignorou, partiu meu coração, mas ainda sinto que falta mais alguma coisa, entende? Um ponto final.

— Nunca implorei o amor de vocês.

Sya olha para o irmão. Era estranho demais, ter alguém tão próximo que lia seus pensamentos.

Só esperava que não desvendasse seus segredos.

— Esqueça essa conversa — fala. Ela deixa os jogos de lado para sentar próximo aos seus pés. — Já conversou com sua mãe?

— Depois daquilo, acha mesmo que ela aceitaria não ligar para você? Plano B, teremos mais tempo quando o meio do mês começar.

— Seu aniversário, as festas?

— Exato.

Uma garoa atinge as janelas. Thomas tira os óculos, mas sua irmã pensa que ele ficaria ainda mais bonito com eles. Mal sabia como comportar-se frente aos outros, muito menos como controlar suas emoções, medos ou inseguranças. Eram tantas mudanças em sua mente: por onde começar, o que fazer, como fazer?

Se ficasse ao lado dele, no entanto, sentia que tudo ficaria mais fácil. Que o mundo poderia compreendê-la sem ser tão cruel.

De repente, Thomas sente os dedos de Sya se entrelaçarem aos seus. Os olhares dos jovens se encontram rapidamente, uma pequena trovoada iluminando o cômodo. O frio se espalha, lento, mas o calor de seus corpos cada vez mais próximos o interrompe.

— Tom... — Sussurra.

Suas unhas arranham seus braços. Ele a aconchega com as mãos.

— O quê?

As respirações estão bem próximas agora.

— Nunca sei o que fazer. Sou um caos, uma confusão perfeita.

Thomas sente algo acontecer. Pequeno, mas acontece. Seria total idiotice não aproveitá-lo.

— Bom, nunca deixarei de dar-lhe uma segunda chance.

— Essa é a terceira — ela ri, um pouco mais perto de seu colo.

— E daí? Nem estava contando.

Seus lábios, enfim, se tocam, tão gélidos, mas que logo ganham calor na presença um do outro. Era uma sensação boa, admitia a menina, tão boa que sua primeira reação foi tentar controlar as batidas aceleradas do coração.

Uma doçura de outono a invadia. Tanto é que esqueceu-se do ocorrido na pizzaria, do ocorrido na escola, do ocorrido em sua casa naquela maldita noite quando tinha quinze anos. O mundo parou, todos desapareceram, sobrando apenas os dois, presos naquele momento infinito.

Contudo, não passou daquilo. Sya percebeu o que fazia pouco antes de seu irmão adotivo poder puxá-la para mais perto. A faísca no coração de Thomas pulsava, mas a dela desaparecera por completo.

Por enquanto, pensava.

— Estou faminta — falou alto. — Vou buscar alguns morangos, quer um pouco?

Tom negou e Chelsea desceu as escadas com rapidez, temendo que algo estivesse lá embaixo, ou ainda, que tivesse estragado o pouco de respeito que sobrara com os Halder.

Nem desconfiava que, na mente dele, as cores giravam. Aquilo fora o pequeníssimo sinal que precisava. Aquilo que queria saber sobre Sya não importava mais. O beijo era real.

Ela era real. Algo havia acontecido, mas não poderia falar para Vicy. Deixaria as evidências muito na cara. Por que as coisas se tornaram tão confusas?

Só não sabia que a presença da nova garota na cidade levaria a tamanho mistério. A presença dela era uma ameaça completa a todos que a tinham por perto. O mal os cercava cada vez mais por sua causa.

Dela... ou seria uma armação?

***************

É isso mesmo, produção! Chelsea matou um mendigo. Alguém a forçou ou será que foi por que ela quis? Seria o LSD usado nos tratamentos? Novas atualizações estão por vir só para vocês!

Obrigada pelo 1k de estrelas e 8k de leituras. Vocês são fodas!

Hell Girl | COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora