14. Trilha de morte

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Não ande por aí esta noite
Bem, está prestes a tirar sua vida
Há uma lua maléfica nascendo
Creedence Clearwater Revival

***

A semana em si foi rotineira. Decidimos não discutir sobre o ocorrido daquela tarde, pois tanto Chelsea quanto eu estávamos espantados. Já não era normal termos qualquer tipo de evento incomum pela região, quem dera termos presenciado algo tão sobrenatural quanto aquilo. Fora a prova viva de que sim, não gostar de gatos tem seu ponto positivo. Se bem que... bom, nunca imaginei que eles seriam possuídos.

Esperávamos nossos pais chegarem com as irmãs. Mesmo que a mais velha não aparecesse muito na escola, eu podia vê-la pelos salões de treinamento. O primeiro colegial não participava da Gincana Harley, e saber que Úrsula não ficaria dando uma de gótica, se escondendo num canto qualquer para não participar do futebol, me deixava aliviado. Bethany vinha para o segundo turno, onde fazia o almoço e arrumava aquilo que estivesse fora do lugar, inclusive recebendo ajuda da mamãe para limpar. Concluíamos nossas lições, e quase não havia nada programado para a semana.

Uma ou outra vez, Nick me ligava para saber sobre o show da banda, que ocorreria neste sábado à noite. Era, no máximo, quarta-feira e eu não tinha ideia alguma de quando iríamos ensaiar. Depois do que fizeram contra minha irmã, creio que vamos no improviso.

— Tá maluco, Tom? Essa é a chance que temos para a carreira decolar. Vai desistir de tudo só por causa de uma brincadeira?

— Mano, se dessem a mínima espiada na direção da Europa, tenho certeza que você não responderia pela ética. Foi horrível.

— Ah... tá, desculpa, deve ser ruim, mas não podemos nos distanciar do nosso objetivo. Sei que é o que você quer.

Na verdade, não. Eu queria jogar todas as responsabilidades para o alto e viver a vida que eu sonhava viver. Mas não, tenho uma família para cuidar, amigos para manter, e agora Chelsea. Ela não pode cair nas mãos erradas, e sinto algo irradiando dela, dizendo que não posso sair do meu posto.

— Beleza — falo, desenhando olhos verde-esmeraldas em meu caderno. — Vou com o carro do Dmitry levar os instrumentos antes do final de semana.

— Vamos improvisar? Bom, achei essa sua ideia interessante. Depois nós avisamos.

— Eles vão ficar putos.

— Quem se importa?

Rio do tom de voz dele. Conversamos por mais algum tempo, mas o assunto não foi muito diferente. Apenas sobre a gincana, a apresentação, as festas, meu aniversário...

— Me conta, o que aconteceu?

— O quê? Nada.

— Cala a boca, Thomas. Sei bem quando você está me escondendo alguma merda.

— Você é louco.

— Ah, claro, eu fico encarando a Chelsea como se ela fosse a vizinha mais gostosa do mundo.

— Fica na sua, beleza?

— Você é doidão, mano! Curtiu sua própria irmã e...

— Até amanhã na escola, Nicholas. Se quiser, venha ensaiar.

Desligo o celular. Deito de bruços na cama, ainda pensando no que ele disse. Isso é errado? Gostar de uma pessoa que automaticamente se tornou parte da sua família? Estou sobrecarregado demais com meus deveres e pensamentos, então não quero saber. Só quero deitar e dormir bem rápido, de preferência até minhas dúvidas desaparecerem.

Porém, naquela noite de quarta-feira, uma chuva forte começa. O brilho da lua atravessava as cortinas grossas do quarto, batendo com tudo em minha pele.

Vou até a janela, intencionado a fechá-las, quando ouço um barulho vindo do quintal.

Cara, só posso estar vendo coisas.

Mas não, eu estava bem acordado. Às 2h, não havia nenhum carro ou pessoa na rua. O único movimento, sem contar o das árvores atingidas pelo vento, se concentrava na trilha de pedras. Um vulto escuro caminha por cada parte, parecendo dançar com graça inimaginável. Começo a olhá-lo mais de perto, socando as bochechas no vidro.

Um raio corta o céu. A última coisa que identifico são dois buracos e uma boca vermelha no que podia ser seu crânio, flamejantes como se tivessem sido jogados direto na fogueira.

Amedrontado, caio na cama. Medindo meus batimentos, é óbvio que quase morri.

Chelsea estava certa.

Alguma coisa nos seguiu.

— Thomas

Hell Girl | COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora