Capítulo 02

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Clovely, Junho de 2016

Eu costumava associar mudanças a surpresas.

Para ser sincera, não parava para pensar muito nelas. Por não serem constantes em minha vida, apenas quando um caso ou outro acontecia eu me pegava articulando sobre. Não era uma boa distração idealizar que de uma hora para a outra minha vida pudesse mudar drasticamente. Eu preferia acreditar que pouco a pouco as coisas se resolveriam, do que sofrer esperando que de repente o destino pudesse dar um empurrão e cooperar comigo.

Como, por exemplo, mudar tudo de uma semana para a outra. De um minuto para o outro. De uma atitude para uma consequência.

Eu nunca gostei de surpresas por conta da vida no orfanato. Acreditava, sim, que elas pudessem trazer algo bom, mas minhas experiências anteriores não davam muito espaço para essa sensação positiva. Geralmente havia choro e saudade, depois, sempre broncas por ter sido tão sensível. Como quando eu ia para a casa de um casal e era devolvida semanas depois porque 'não me encaixava no perfil', ou como quando minha melhor amiga foi adotada e eu permaneci no orfanato St. Vincent. Mudanças sempre haviam sido o ponto mais alto dos meus sonhos, mas elas também eram o que mais me assustava e frustrava, devido a todas as experiências fracassadas.

Parece cômico eu dizer que tudo começou em um domingo de manhã, logo antes do desjejum, como se aquela nova semana trouxesse consigo um novo recomeço para mim. Fazia parte da minha rotina levantar, arrumar minha cama, esconder os buracos nos colchões com os panos velhos e finos que mal suportavam o frio, e então guardar os travesseiros surrados e rasgados na pequena cômoda ao lado da minha cama. Não era minha parte favorita do dia, mas eu podia dizer que era a mais simples.

Enquanto dobrava meu edredom, olhei discretamente as meninas nas camas próximas. Eleanor, Victorine e Melissa, minhas nada adoráveis companheiras de quarto, me encaravam rindo e nem foi esforço apenas ignorá-las e rolar os olhos. Eu dormia com elas há mais tempo do que gostaria de me lembrar, mas estarmos próximas não queria dizer que éramos necessariamente amigas.

As três já tinham seu grupo formado quando me mudei para o quarto delas, e eu me lembro de quando mais nova adorar passar o tempo naquele meio. Eu desejava ser uma delas. Até perceber o que ser como elas me tornaria. Quando tomei minha decisão final, a consequência foi uma exclusão parcial, salvo apenas quando elas queriam me rebaixar, pegar algo meu sem permissão, ou me ferir deliberadamente, e isso acontecia com mais frequência do que eu podia suportar sem me tornar paranoica.

Seus uniformes, diferente do resto das garotas de Mme. Emilienne Towne, eram mais curtos e rasgados nas saias, além de ter um decote maior que o permitido e completamente vulgar. Eu daria tudo para que fosse trocada de quarto. Talvez eu pudesse ficar com Karen ou Jessy, mas essa não era uma questão a ser discutida, já que não convinha a ninguém mais que eu mesma.

Já estava acostumada a terminar minha cama, pegar meu uniforme e seguir para o banheiro conjunto, não sem antes escutar uma gracinha de qualquer das três. Então, quando Victorine chamou meu nome, eu já estava preparada.

-Acho que você esqueceu de arrumar um lugar. Madame Towne não vai gostar nadinha de saber que suas ordens não estão sendo seguidas à risca. – sua voz soou, arrastada e irônica. O cheiro de bebida e fumaça na noite passada provavelmente tinham algo a ver com aquele seu estado.

Eu sempre gostei da França, seus costumes e as cidades, no entanto, saber que ela e sua maldade haviam saído de lá, me deixava um pouco receosa sobre o pais.

Suspirei e encarei minha cama, forrada o melhor possível. Em seguida, me virei para as camas ao redor, encontrando mais bagunça do que elas suportavam.

O atraso certo (FINALIZADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora