Capítulo 04

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Rapidamente, eu me forcei com gosto a notar cada detalhe do ambiente. Eu estava apaixonada desde as pelúcias macias me olhando espalhadas, até os livros e as maquiagens dispostas em determinados pontos. Eu nunca tivera tanta coisa na minha vida e agora que tinha não fazia ideia de como começar a usar.

Segui até a cama e passei a mão pela colcha, um sorriso bobo no rosto. Apertei o pano entre meus dedos e confirmei o que já tinha certeza. Era grosso, quente e eu me imaginei debaixo daquele lugar a noite toda, sentindo meus olhos marejarem.

Encarei minhas roupas deploráveis e ri baixinho. Eu não me sentaria naquela cama, não mexeria em nada enquanto ainda tivesse em mim algum resquício da vida antiga.

Andei até o banheiro e mais uma vez encarei a banheira e todo o resto do ambiente, o contraste lindo do branco com o rosa vivo. Passei a ponta dos dedos pelo mármore da bancada e segui até a banheira. Sorri sozinha e procurei pelos sabonetes, lendo o rotulo e vendo para o que cada um servia.

Abri o registro e despejei um pouco do liquido verde que dizia ser relaxante. E então, depois de retirar toda a roupa, mergulhei na agua, sorrindo comigo mesma. Aquilo parecia real, mas também tão inalcançável. Era melhor que o mundo perfeito que eu criara para viver na minha mente. Aquele momento era bom. Minhas lembranças de bons momentos não eram tão vastas.

Ali, sozinha, eu me permiti viver parte do que nunca tivera. Eu mergulhei e assoprei bolhas de sabão sem a menor vergonha de parecer imatura para os meus 17 anos. Observei as espumas se formando com atenção e as joguei para o alto, rindo com prazer.

Quando terminei, entrei em um roupão rose ao lado da banheira e segui até o closet, constatando quão incrível era aquilo. Meu sono havia passado, e eu gastei longos minutos encarando as peças de roupa. Calças jeans de diferentes cores e modelos, diferente da minha surrada há anos. Blusas de diversas cores e modelos, sapatos de salto alto, pequeno, sapatilhas, tênis. Era como se eu estivesse em uma loja particular.

Escolhi um pijama colorido e então me vesti, deixando o closet com um sorriso ao pensar que ele não fugiria dali.

Aquilo tudo era meu e tão incrível como era dizer, era acreditar.

Voltei para o meu quarto e parei de frente a penteadeira. Puxei o pequeno banco de madeira branca e então me sentei de frente ao espelho. Peguei a escova grossa em minhas mãos e sorri, passando-a pelos meus fios, desembaraçando meus cabelos cor de mel demoradamente. Encarei meu reflexo no espelho e então sorri comigo mesma.

Meu rosto era exatamente o mesmo, mas minhas olheiras de noites mal dormidas já estavam sumindo depois dos dias no hospital. Minhas bochechas ainda eram finas, resultado da má alimentação e de todo o estresse. Meus olhos claros, diferente de dias atrás, não possuíam o mesmo tom opaco de antes. Todos os casais quando visitavam o orfanato diziam a mesma coisa: 'Você tem lindos olhos verdes', mas eu nunca acreditei neles. Sempre que me encarava, a única coisa que via eram duas bolas verdes sem graça. Naquele momento, me olhando, eu pude ver como eles eram incríveis. Meus olhos pela primeira vez tinham brilho. Eu podia até mesmo jurar que eles estavam mais claros.

Passei a mão pelo rosto, e tirei parte da franja da minha testa, vendo o pequeno band-aid para cobrir o corte escondido ali. Arrastei a ponta dos dedos pela minha pele e sorri fraco. Aquela seria a cicatriz de uma lembrança que eu faria questão de nunca esquecer.

Enquanto arrastava o pente pelos meus cabelos, notei algo que não me agradava. Meu pulso direito estava coberto por pulseiras e eu sabia o que tinha por baixo delas. Puxei uma pequena parte vendo apenas o último arranhão que fizera há algumas semanas e o cobri, respirando devagar para me acalmar novamente. Aquilo era passado, e eu disse a mim mesma que meu passado todo ficaria naquele horror que eu também havia deixado para trás.

O atraso certo (FINALIZADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora