IMPRESSÕES

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Liza

O ruido seco da bala rompeu o ar. Ouvi o som do alvo atingido, um espasmo, um gemido e um baque. Um corpo tombou. A fumaça impregnou minhas narinas e o fogo crepitou.

Tive dezenas de vezes essas visões fragmentadas.

Estremeci e olhei as pessoas ao meu redor no Central Park. Famílias felizes. Crianças brincando. Turistas aproveitando a neve que cobria quase todo o gramado.

Nos últimos dias, bastava que me distraísse por um segundo, e esses flashes me assolavam como uma avalanche.

Durante o mês que passei no hospital, não teve uma única noite em que eu não tenha levantado de madrugada. Esbaforida. Agoniada. Eu chegava a sentir o odor de queimado. Ouvia o último lamento da garota gritando no chão do cemitério.

Imaginava o que estava dentro daquele círculo de fogo e isso me fazia tremer.

Bastava cerrar as pálpebras para trazer o pesadelo.

Essa era a minha tormenta diária.

Esses fragmentos, guardavam tudo o que eu não sabia. Tudo o que eu não lembrava.

Passei dias e dias tentando unir as imagens. Chegar a alguma conclusão.

Com o tempo acabei parando com isso. Só conseguia enxaquecas e pedaços estilhaçados de nada.

Um monte de vazio. A ausência de nomes, diálogos, rostos, recordações. Ausência de mim.

Liza? Quem é Liza?

Acho que sou eu.

Levei um tempo até responder após ser chamada pelo meu nome. Talvez devesse mudá-lo para algo mais apropriado. Se me chamassem, seria algo como:

- Ei, vazia!

Se encaixava muito melhor nesse quadro.

Mas o nome, seria o menor de meus problemas.

Eu precisava desesperadamente recordar daquela noite no cemitério, ou de qualquer outra coisa antes dela. Mas havia me tornado um livro com vinte e um anos de páginas vazias.

O Dr. Carson dizia que eu precisava ter paciência. Ao que parece, seria um processo demorado.

Como se um mês desmemoriada, já não fosse o suficiente.

Meu caso, de acordo com ele, era um pouco diferente.

O diagnóstico: amnésia psicogênica retrógrada, em outras palavras, amnésia causada por trauma psicológico, com dificuldade para se lembrar de fatos anteriores ao trauma.

Mas o fato, é que eu sequer lembro do trauma, muito menos do resto da minha vida.

E o normal seria a memória voltar dias depois.

Por isso, eu permanecia sob cuidados médicos.

Para me animar, o Dr. Carson me contava sobre casos piores, alguns em que as pessoas perdiam a memória semântica, responsável por arquivar nosso conhecimento da realidade. Com isso, posso não ser capaz de saber quem sou, mas lembro o que é um gato, e o que é uma mesa por exemplo. Tive que concordar. Ao menos, não precisariam me ensinar o que é o mundo novamente.

Eu só desejava que o tempo passasse logo, pois ele guardava uma promessa.

A de que quando ele corresse, eu voltaria a ser eu, até o momento estranha para mim mesma.

Voltei a observar as pessoas. É engraçado como a vida dos outros, vista assim de fora, sempre parece melhor do que a nossa.

Suspirei.

O Templo - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora