Asas
Liza
Uma morte, pela outra. Uma morte, pela outra. Uma morte, pela outra.
Tentava dormir há algum tempo, mantinha os olhos fechados e fitava um canto escuro em minha mente. Um lugar novo, como se houvesse um espaço adormecido que acabava de despertar, mas esse lugar não trazia nenhuma lembrança de volta, apenas sensações estranhas. Era muito cedo para dizer, mas me parecia agora que eu ouvia o mundo e senti que se eu falasse, ele me responderia. Se é que isso faz algum sentido.
Um tipo de poder vibrava em minhas veias, era pulsante e forte, latejava quando eu me irritava. O que acontecia a todo segundo.
Inspirei e expirei com força, queria me manter sã. A respiração ofegante de Adrian me incomodava, suas asas se moviam no mesmo ritmo e roçavam a parede atrás da poltrona onde estava sentado. Toda a sua tensão não ajudava em nada nesse momento e eu já tinha coisas demais para assimilar.
- Eu sei que está aí, Adrian – falei para o quarto escuro e me sentei na cama.
- Você devia tentar dormir.
- Suas asas roçando a parede, não estão permitindo.
- Desculpe Liza, não era para você ouvir, muito menos enxergar isso.
- Já que não iremos dormir, que tal me explicar suas teorias?
- Não é a hora, Liza.
- O que você está esperando? Que as coisas piorem? Percam o controle? - passei a mão por meus cabelos e os fios esquentaram. O poder descia por meus braços e saía de meu peito para meus membros.
Acendi a luz e me distraí com a orquídea. Ela havia voltado sozinha para a janela, depois de ter sido jogada fora. E o bilhete continuava ali, esperando que eu o lesse. Num impulso de coragem, abri a janela e estiquei minha mão, tomando todo o cuidado possível para não esbarrar na planta.
Adrian me segurou com força por trás e me apertou dentro de suas asas bege, malhadas de caramelo, baixou a cabeça para falar bem perto de mim:
- Você não aprendeu nada da última vez? Ou faz de propósito porque me quer assim? Bem próximo? – concluiu e mordiscou minha orelha.
- Me solte, Adrian. Não sei de onde vem esses seus impulsos, mas eu preciso de paz e você está passando dos limites.
Uma chama foi expelida pela palma de minha mão e o atingiu onde sua asa bege me envolvia. Sorri preguiçosamente com o alívio de feri-lo. Ofendido, ele me soltou bruscamente. Tirei o papel dentre os seus dedos e me sentei na cama:
"A orquídea não deixará de existir, porque escolheu deixar de vê-la. Não será assim que se livrará de seus pecados. Tapando os olhos, você só os enterra mais fundo em sua alma. N."
Após o que ouvi na Casa do Mago, de certa forma compreendi o que aquilo significava. Eu não posso me esconder, do que está em mim. Por pior que possa ser.
Adrian ficou de pé a minha frente e me olhou emburrado, continuei fitando o chão. Ele resmungou e me levantou pelo queixo:
- Você não está sozinha, Liza. Consegue deixar de ser teimosa e aceitar isso?
Não respondi. Apesar de sua presença me confortar, meu corpo tremia. Percebendo meu estado, ele esfregou meus braços com suas mãos macias e me perguntou:
- Posso fazer uma coisa?
Dei de ombros, não queria mais discutir. Adrian me pegou no colo, mas me segurou apenas com suas asas. Suaves como veludo, pareciam frágeis. Eu sentia sua pulsação através delas. Passados alguns minutos, fiquei dormente, calma e a pele antes borbulhante de raiva, se tornou morna. Não sei o que ele fez, senti-me mergulhar em profundezas desconhecidas, mas nem isso foi capaz de apagar o terror do que estava por vir.
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O Templo - Livro 2
Fantasy"Se Liza lembrasse do ocorrido no cemitério, talvez encontrasse a explicação para as sombras. Ou talvez entendesse de onde vinham os sussurros em seus pensamentos. No entanto, tudo o que ela se recorda é de um nome: Ethan. Até um estranho se apres...