CORREIO

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Correio

Liza

Sobressaltei-me com algo batendo na janela. A cortina fechada não me permitia ver o que era e eu tinha medo de ser mais uma surpresa desagradável.

Adrian que dormia no sofá não pareceu ouvir.

Não sei se eu já era assim, mas percebi que estava me tornando uma pessoa desconfiada. Não gostei disso.

Busquei em minha memória o que havia acontecido antes de Adrian me arrastar para o quarto, mas não consegui nada. Era como tentar ler, vendada.

Sentei-me lentamente na beirada na cama e procurei pela orquídea, havia sumido. Fiquei feliz que ele tenha feito isso sem que eu precisasse pedir, aparentemente, eu não conseguiria me livrar dela sozinha.

O barulho na janela persistia.

Ao colocar os pés no chão para deixar a cama, encontrei um punhal.

Céus, o que eu estaria fazendo com um punhal na mão enquanto Raquel dormia?

Tremi só de pensar.

Ouvi novamente o barulho na janela. Criei coragem e abri a cortina. O barulho vinha de uma ave branca.

Ela me encarou, fitou-me quase com súplica para que a deixasse entrar. A neve caia grosseiramente por suas asas, deslizei o vidro para o lado e pensei que ela fosse voar, mas continuou parada, olhando para mim.

Hesitante, estiquei minha mão e ela lentamente pôs suas patas sob minha palma, deixando que eu a segurasse.

No momento que toquei em sua asa, senti que saia do chão. Como se alguém me levantasse em um abraço de urso. E me senti em casa. Morna a acolhida. Só podia ser ele, o homem dos olhos verde esmeralda e naquele abraço, havia uma promessa invisível de que tudo ficaria bem, de que ficaríamos juntos novamente.

Mesmo sem saber nada do que isso significava, fiquei feliz pela primeira vez.

- Gostou do correio Liza? – me interrompeu Adrian de meus devaneios, parecendo irritado.

- Esqueci que você estava aqui. Você viu tudo, não foi? – essa falta de privacidade era algo com o que não me acostumaria.

- Sabe que sim, Liza – exibiu seu sorriso no canto da boca, o presunçoso estava de volta.

- O que foi isso?

- Ele lhe enviou um sentimento. Do último abraço que tiveram.

- Ele quem?

- O homem dos olhos esmeralda.

- Mas quem é ele Adrian? Por favor, eu preciso saber.

- Agora não, Liza. Você precisa entender um milhão de coisas para poder se proteger. E essa não é a nossa prioridade hoje. Você tem uma consulta com o Dr. Carson.

- Claro, isso é o que eu mais preciso no momento. Uma consulta médica, já que meus problemas são físicos.

- Pare de se comportar como uma criança.

- Pare de agir como meu pai.

Ficamos alguns segundos nos encarando em silêncio. Ele era muito melhor que eu nisso, e minha irritação só crescia, com o fato de ele parecer perfeitamente calmo.

- É preciso que você vá ao médico Liza, para manter as aparências com Ethan. Entende isso?

- Eu não disse que não iria.

- Excelente. Ethan chegará em duas horas, vamos a lição de hoje:

- Nunca aceite presentes, nem de estranhos, nem de conhecidos. Existem forças ruins Liza, e elas querem você por um motivo.

Foram essas mesmas forças, que levaram seus pais. Essas que fazem de Ethan o que ele é, e são elas que influenciam Raquel desde o ano passado, obviamente, logo após ela se envolver com Ethan.

Adrian falava comigo como se eu fosse uma criança que poderia abrir o berreiro a qualquer momento. Eu apreciava sua cautela, mas a cada dia me tornava mais impaciente, afinal, desde que acordei no hospital, vinha colecionando descobertas ruins e inconcebíveis para este mundo. Coisas que não poderia dizer a ninguém, e não colecionava nada do passado, porque não havia nada que eu conseguisse me recordar.

- Adrian, por favor, preciso que seja um pouco mais objetivo. Entendo sua preocupação, mas eu posso encarar, confie em mim.

- Preciso que você confie em mim, Liza. São coisas demais até sua memória voltar e eles estão se aproximando a cada minuto. Estou tentando proteger você.

- Que tal me dizer, o que eu estava fazendo ontem com um punhal no quarto de Raquel, enquanto ela dormia? Ou, quem são eles?

- Temos outras prioridades Liza, já lhe expliquei.

Respirei fundo, numa tentativa inútil de me acalmar. De novo, ele vinha com essa história. Uma parte de mim, sabia que estava sendo sincero, mas a outra, o lado que eu lutava para manter adormecido desde que me sentei na cama, fervia o meu sangue. Raiva foi tudo que consegui sentir, dominando minha razão, eu só queria quebrar alguma coisa e ignorar tudo o que ele me dizia. Na verdade, parei de ouvir o que ele falava, me levantei de súbito da cama e ainda não sei de onde vieram aquelas palavras:

- Cale a boca Adrian! Você acha que sabe como eu me sinto? Você já experimentou não sentir nada? Já parou para raciocinar, que sem memória, não somos ninguém? Seu idiota! Tudo o que tenho são olhos verdes que me olham da penumbra, além é claro, da atração pelo noivo da minha irmã, que não me passa de uma estranha! Meus pais estão mortos e sequer penso neles, porque não sei como são os seus rostos! E há você, meu cão-homem de guarda, que aliás, não sei o que você é, porque nunca me disse. E claro, também meus dois amigos, com quem morava em Winterhill, dos quais não sinto falta, porque não lembro deles! Droga! Eu sou vazia Adrian! Não tenho nada! Que as forças do mal me levem, não tenho medo, porque eu não sinto.

Enterrei-me debaixo das cobertas e tentei esconder meu soluço. Detestava que ele visse isso e já havia me arrependido do que disse, a raiva foi substituída pela tristeza. 

Pensei que ele fosse ficar bravo comigo, ou dizer alguma coisa, mas para minha surpresa, ele sentou ao meu lado, colocou suas pernas sob as cobertas e me puxou em um abraço, me aninhei como faria um filhote com frio e chorei, até adormecer de cansaço.

Ao menos ele não descobriu que os meus planos para o dia seguinte,  envolviam uma fuga para Winterhill.

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Gennnnte! Já imaginaram a desgraça que seria se a Liza acertasse a Raquel? =O

E o que será que o Adrian tanto esconde, hein?

BEijosssss e até amanhã!

O Templo - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora