O Templo - Livro 2

SOTERRADO

SOTERRADO

Nathaniel

Cuspi um quilo de areia ao levantar. Não demorou muito tempo até eu compreender o que aconteceu.

O desgraçado do Johan!

Fui arrastado de volta ao Templo. Ao que parecia, o velho rabugento tinha que concluir sua missão e o faria à força se fosse preciso.

Não pude acreditar naquilo.

— Vá para o inferno, Johan! — Esbravejei nos degraus do Templo, pronto para ir embora.

Seu manto mostarda, se materializou a um palmo do meu rosto.
— Vou lhe contar toda a verdade, Nathaniel. Não temos mais tempo. Foi a primeira vez, que o ouvi falar sério, sem gracinhas, sem seu sarcasmo latente.

Mas ele não tinha esse direito!

De me arrastar às suas vontades, depois de meses perdidos. E Liza podia estar em perigo!
— Para o inferno, Johan, você e suas verdades.
Dei as costas e me distanciei.

Me concentrei em Liza. A senti em Winterhill, já havia saído do hospital e voltado para casa. Havia alguém lá com ela, no início não reconheci.

Usei o nosso elo, forcei a mente e a vi. Com o rosto coberto de sangue. Ignorei a compressão do desespero em meu peito e fiz a travessia. Dessa vez, eu mataria aquele desgraçado!
No meio do percurso, o manto mostarda me bloqueou. Johan.
— Volte, Nathaniel. É urgente.
— Não me obrigue a lutar com você Johan.
— Anjinho insolente!
Johan pousou suas mãos em meus ombros e em um puxão, me levou dali. Lutei para chegar até Liza, mas não consegui.

Não tinha poderes o suficiente para lutar com um ex membro do Conselho. Não que isso me impedisse de tentar.

Ele me levou de volta ao deserto.
Nos encaramos, dessa vez dentro do Templo. Um de cada lado do Óculus Mundi.

Quando percebi o que Johan fez comigo, não havia mais volta.
Tinhas minhas duas mãos espalmadas na pedra fria da esfera. O magnetismo estrondoso vibrava em meus pulsos, percorria toda a pele. Eu não teria forças para me libertar daquele toque. Vivo, pulsante, poderoso.

Então me dei conta. Era isso o que ele pretendia.

— Johan, por que você fez isso?

— Veja através do olho do mundo e deixe-o ver através de você. Ao terminar terá finalizado o treinamento do anjo e dominará o conhecimento do sagrado. Hoje, concluo minha missão, sua metade anjo finalmente se completa.

— Me deixe sair daqui, Johan! Liza corre perigo!

— Você não quer o conhecimento, Nathaniel? Isso será essencial a sua jornada. E garanto a você, está apenas começando.

— Seu desgraçado. Espero que arda no inferno! Me fez perder meses aqui, meses! E eu não quero isso, só quero salvar Liza!

— A Virtude foi ajudá-la, sossegue!

Que ótimo. O inútil do Adrian.

— Me perdoe, Nathaniel. Eu menti para você. Mas me arrependi, por isso lhe trouxe aqui. Veja, as lições que lhe passei, foram todas verdade. A men- tira, escondi na minha intenção.

— Acha mesmo que agora acreditarei, Johan? Nenhum de vocês presta. Nenhum membro do Conselho. Se isso é ser um anjo, prefiro ser humano. Vocês me causam repulsa. Tenho nojo dessa raça. Nojo!

Tentei me libertar do toque da esfera, mas o movimento fez meus braços doerem como se estivessem prestes a ser amputados.

— Digo a verdade, Nathaniel. E lhe darei a escolha. Decida entre fazer um juramento a mim e descobrir a verdade pelo Óculus Mundi ou fique preso à esfera, até se tornar uma das estátuas que a cercam.

Se eu pudesse me soltar naquele momento teria matado Johan.
O traidor continuou a falar:
— Tudo o que fiz, Nathaniel, foi para rever meus filhos e esposa. Para libertá-los da maldição, a que eu mesmo os prendi quando criei o Jardim dos Anjos. Suas almas estão aprisionadas e somente Ivanka poderia me ajudar. Quando recebi a missão de instruir você, selei um pacto com Morte. Um pacto para morrer. Eu entregaria a alma dourada a ela e, em troca, ela me libertaria para morrer sem ser forçado a servi-la. Livre do estigma púrpura, eu finalmente encontraria minha família do outro lado.

— Espera que eu sinta pena de você? Depois de tudo o que fez?!

— Espero que faça a escolha certa. Sei que você e Liza são inocentes. Por isso, não darei a alma dourada à Ivanka. Desejo apenas morrer e ser aprisionado junto de meus filhos e esposa. Mas você é o único além dela capaz de me matar. Por isso, preciso que jure.

— E por que eu ajudaria? Se além de ter me traído, me enganado, acaba de me ameaçar a me aprisionar em estátua, junto dos que odeio?

A cada segundo, a vibração da esfera ganhava força. Meu tronco tremia, as pernas ameaçavam vacilar. O esforço que eu fazia para me manter consciente, começava a nublar a lógica.

Aparentemente, eu não teria escolha. Se não aceitasse fazer o juramen- to, em vez de deixar o Templo, passaria a fazer terrivelmente parte dele.

— Porque se você aceitar anjinho, lhe contarei como salvar Liza.
— Então me conte primeiro.
— Não sei se notou, mas você não tem saída. Já tocou no Óculus Mundi. — Conte primeiro! Não farei o juramento sem garantia!
— Você tem trinta segundos, Nathaniel. A esfera agirá de acordo com sua decisão. Decida!

Desgraçado!

— Então diga, maldito! Quais as palavras do juramento?

— Depois de mim — Johan esticou os lábios em um sorriso vitorioso — recite as palavras, do Juramento Fiel.

Assim, Johan as entoou uma a uma. Ouvi seu eco entre as colunas do Templo e as repeti:

— Perante o Óculus Mundi, me disponho à vossa vontade. Seu desejo, minhas mãos.
Sua fala, minha voz.
Sua visão, meus olhos.
Seu corpo, meu sangue.
E será eterno enquanto viver.
E se perpetuará, depois de morrer. Do pó ao pó.
Da pele ao sangue.
Do grito ao eco.
Do som ao silêncio infinito.
Tens meu juramento fiel.
O azul da esfera fulgurou por todo o espaço do Templo e penetrou em meus poros.
Ouvi um estrondo de pedras tremendo. Caí em um redemoinho de cores e imagens desfiguradas e eu soube. Finalmente, eu soube.
Se fiz a escolha certa ou não, só seria capaz de descobrir mais tarde. Muito mais tarde. 

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Gennnte e agora? =O =O =O

Beijosss e até domingo