LABAREDAS

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Labaredas

Nathaniel

Fé. Como Johan poderia esperar isso de mim? Eu não tinha fé. Nele, nos anjos, ou em mim. Talvez fosse esse o problema.

Como salvarei Liza, se não acredito em mim mesmo?

Decidi me tornar um aluno dedicado, imaginei que assim ele me libertaria de uma vez. Não havia outra escolha.

Hoje de acordo com Johan, minha lição seria sobre o fogo. Ele ordenou que eu saísse e forjasse chamas em algum ponto do deserto.

Andei absorto pensando no que me contou.

O véu entre os dois mundos, poderia ser derrubado com meu olhar. Eu tenho olhos que encantam.

O que há de benéfico nisso? 

Enquanto não soubesse com o que lidava, deixaria isso oculto em algum lugar de minha mente.

Avistei colunas de fumaça brotando furiosamente do chão, os geisers de Gaia. Ela estava me atraindo e eu sequer havia notado.

Dei meia volta, ainda não me sentia forte o suficiente para lidar com seus vícios e filtrar suas verdades.

Procurei um espaço no deserto de onde pudesse ver o Templo, por precaução. Aparentemente muita coisa poderia aparecer por aqui.

Sentei-me na areia em um ponto a uns cem metros de distância do Templo. Fitei o céu tomado por estrelas e deixei a voz do vento chegar até mim, ciente de não haver nenhuma outra no mundo capaz de me acalmar, a não ser a de Liza.

Seu rosto inundou minha mente. Meigo, de um olhar tenro cor de mel, com suas bochechas rosadas confirmando sua inocência. Ela era de fato a minha grande ruína e na mesma intensidade, a minha única salvação.

Sabendo que não adiantaria me desesperar, optei em me acalmar sabendo que ela estava bem por ora, já que eu a havia libertado novamente de uma alma. Aquele espectro que tentou sufocá-la no banheiro da Broadway. Evitei formar as perguntas que me maltratavam. Por que as almas negras perseguiam Liza? E o que ela fazia toda produzida saindo com o idiota do Adrian? Ah, mas eu acertaria as contas com ele, quando chegasse o momento. Não importa o que, ou quem ele seja.

Impulsionado por esse sentimento, elevei a mão à frente e forjei uma língua de fogo no ar.

Foi a primeira vez que usei esse poder, sequer sabia de sua existência em mim. A língua de fogo se esticou e cresceu conforme eu a alimentava com meus pensamentos.

Observei sua dança ritmada com o vento e vi a chama se dividir em três. Elas se moviam como bailarinas, em sincronia lado a lado. O fogo era hipnotizante.

Após alguns segundos não precisei mais controlá-las, deixei que se movessem livres à frente e elas se multiplicaram até se tornarem labaredas crescentes no horizonte, como ondas do mar incendiadas.

- Cuidado anjinho rebelde. Quem brinca com fogo... – interveio Johan bruscamente. Ele espalmou sua mão no ar e as chamas se apagaram. Tentei fazê-las reapareceram mas elas se recusaram a vir.

- Pensei que essa fosse uma lição solitária, Johan.

- Era para ser rapaz, mas pelo visto, terei de lhe orientar, pra variar.

Mantive-me em silêncio e deitei na areia para fitar o céu. Não daria a ele à satisfação de me ver irritado.

- As chamas, assim chamadas pelos homens, são os espíritos do passado, as Kravens. Nós, anjos, podemos visitar o passado através delas, Nathaniel. E pela expansão do fogo que projetava no horizonte, brincando com o oculto, acabo de lhe salvar de possíveis décadas preso assistindo a anos do passado. As Kravens são temperamentais e você acabou de rejeitar dezenas de anos de memória. Vai demorar até que elas voltem, teremos que deixar essa lição para mais tarde. – ele pareceu gostar demais desse atraso.

O Templo - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora