Uma máscara, uma heroína

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Talvez aquele fosse meu último pesadelo. Eu estava sozinha. Era um lugar sem nada. Tudo era branco. E então, ela aparece:
- Parabéns Constance. Você chegou onde deveria chegar - a voz da mulher careca parece agora fraca e calma.
- Onde eu deveria chegar? - converso com um eco.
Ela surge em minha frente. Está muito próxima de mim. Posso ver todos os detalhes do seu rosto, que também é meu. Eu a toco. Avalio. Observo.
- É aqui que deveria chegar, mas você ainda não fez a escolha - ela fala baixo.
- Escolha? - pergunto.
Ela some.
À minha direita surge uma poça de sangue. Nela posso ver Gerard com sua cicatriz. Me espanto com o barulho das chamas que o fogo à minha esquerda faz.
Fixo o olhar quente no local quente e vejo meus pais, sorrindo. Vejo David, me beijando. Vejo Nick, me ajudando.
Não sei o que aquilo significava, mas sei que não sabia o que escolher:
- Você deve escolher Constance, escolher entre fogo, ou sangue... - a voz retorna.
Eu acordo.
Ao lado da porta vejo Carlos, que também me olha.
- Onde está seu chefe? - pergunto tentando manter o cabelo preso em um rabo de cavalo.
- Gerard lhe aguarda para o café da manhã - ele permanece parado até eu me levantar.
Quando chego a mesa vejo meus pais sentados de um lado com dois homens atrás deles e Gerard, do outro lado.
- Bom dia querida. Mandei fazer esse banquete pra você, afinal a ocasião merece.
- Ocasião? Do que está falando? - pergunto enquanto me sento na cadeira próxima aos meus pais.
- Hoje iremos inaugurar Odior. Pra isso quero que esteja bem. Aproveite muito bem o dia com seus pais e não tente fugir, senão terei que lhe punir - Gerard fala enquanto mastiga uma maçã.
- O que vai fazer comigo? - olho fixamente para ele.
- Vou transformá-la - ele ri suavemente - Tenha um bom dia!
Ele se retira:
- Mãe... estou com medo - seguro em sua mão.
- Todos estamos querida... não sabemos o que esse doente pode fazer conosco - papai responde por mamãe e segura em nossas mãos.
- Vou tentar fugir daqui! - falo baixo para não atrair a atenção dos dois homens/estátuas atrás de nós.
- Filha, essa comida tem relaxante, você não conseguirá sequer dar um soco em um desses brutamontes - mamãe fala - Vamos fazer a única coisa boa que Gerard disse: aproveitar o dia.
Eu estava faminta. Ataquei tudo o que cabia em minha barriga.
- Você está linda, diferente, mas linda... - mamãe fala enquanto ajeita uma mecha perdida em meu rosto.
- Existe um motivo para todos me odiarem. Eu não bati em Gerard por maldade ou fugi daquele hospital por loucura, eu mudei. Quando David chegou ao instituto ele era mais um garoto com leucemia que havia lá. Mas algo em mim gritava o contrário. Quando nos aproximamos, ele me contou que havia conhecido um homem. Nick. Ele havia dedicado sua vida numa fórmula que eliminava o câncer do corpo. David queria tomar, mas eu a tomei por engano. E hoje estou aqui para contar que eu não sou mais eu. Sou parte de um experimento que aparentemente falhou e não falhou, se é que me entendem. Eu sou feita de carne... de ossos... de sangue... e de fogo. Essa sou eu - quando termino, papai segura minha mão:
- Esta sempre será você. Gerard quer lhe transformar em algo que nunca será. Lute para não ser, lute para permanecer como você é. Parece fácil, mas você se torna muito perigosa quando passa para o lado dele - eu o interrompo.
- Eu já estou no lado dele - uma lágrima evapora lentamente enquanto percorre pela minha pele.
- Como pode ter tanta certeza disso? - mamãe pergunta.
- Porque eu já meu tornei, nem se quer lutei pra permanecer - meu olho parece pegar fogo.
- Meu bem, você ainda é nossa Constance, independente do que se tornou - mamãe fala.
- O problema é que eu não sei o que me tornei mãe, mas sei que estou predestinada a não ser a heroína que deveria ser. O pior é que minha vida se transformou em um daqueles filmes de herói em que o vilão tem uma máscara marcante e eu estou prestes a perder para ele. Eu não tenho nenhuma força para lutar com Gerard. Eu só quero dizer a vocês que...
Um dos homens de Gerard surge a porta e fala que devo ir. O capanga em pé agarra meu braço e me leva para o quarto. Olho para meus pais. Aquele pode ser o adeus.
- Mudei de ideia, o dia está lindo para algumas brincadeiras - Gerard fala enquanto olha Odior sendo ligado - Não irei perguntar se está preparada porque sei que não está, então... vamos lá!
- Você vai engolir todo o mal que me fez passar! - falo de forma que consigo sentir o sangue em minha garganta.
- Se isso foi uma ameaça, saiba que só estou começando... - ele olha no fundo dos meus olhos e sorri - Você nunca vai ser novamente o que era.

Fogo e SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora