Capítulo 30 - "Shake it off"

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*** Início da terceira fase: Preparar para decolar ***

["Tenho andado distraído

Impaciente e indeciso

E ainda estou confuso

Só que agora é diferente

Estou tão tranquilo

E tão contente

Quantas chances

desperdicei

Quando o que eu mais queria

Era provar pra todo o mundo

Que eu não precisava

Provar nada pra ninguém

Me fiz em mil pedaços

Pra você juntar

E queria sempre achar

Explicação pro que eu sentia

Como um anjo caído

Fiz questão de esquecer

Que mentir pra si mesmo

É sempre a pior mentira" – Quase sem querer, Legião Urbana]

A plateia estava lotada e todas as luzes estavam sob mim. Eu dançava com os olhos fechados, consciente dos meus movimentos, brincando com o ritmo da canção. De repente a música ficava mais intensa e eu precisava acelerar os passos para acompanhá-la. Eu me esforçava para fazer os movimentos com precisão e, mesmo assim, sentia que não estava conseguindo dar o melhor de mim. Faltava algo. Em uma sequência de piruetas, senti meu corpo alcançando o seu máximo. A cada novo giro eu tinha menos firmeza, como se o chão estivesse se desfazendo aos meus pés. Eu lutava, sentindo minha respiração ficar pesada, o suor escorria pelo meu rosto e a música pesava sobre os meus ombros como se me culpasse por não conseguir acompanhá-la. Eu corria e corria e o meu esforço nunca era o suficiente. Os saltos não eram rápidos nem altos e cada músculo ardia no seu limite até que me desiquilibrei e fui ao chão.

A música parou e ouvi o silêncio congelante, como se o mundo tivesse parado e cravado os olhos em mim. A voz da minha mãe repetindo "levanta e tenta de novo" me veio à mente e, mesmo sentindo muita dor, apoiei as mãos no chão para tentar me erguer e continuar a apresentação.

Mas havia algo errado. Vi rachaduras que começavam na ponta dos meus dedos e subiam até os ombros. Desesperada, me esforcei para me esticar para o lado. Por todo meu corpo, rachaduras iam se espalhando como uma superfície de gelo quebrada. Sem saber o que fazer, segurei uma das pernas com força na tentativa de impedir que ela se desfizesse. Porém, o esforço fez com os meus braços se rompessem e caíssem ao meu lado, como cascas ocas de uma árvore. Pouco a pouco o mesmo foi acontecendo com todo o meu corpo. Vi cada pedaço de mim indo ao chão e, inexplicavelmente, eu não sentia mais dor. Uma sensação de paz me dominou e com o coração tranquilo tomei coragem para olhar para frente.

Todo o público me encarava, atônito. Uma a uma, cada pessoa ficou de pé e começou a me aplaudir. Em poucos minutos eles estavam me ovacionando, gritando "bravo,bravo" como se tivessem acabado de assistir o melhor espetáculo de suas vidas.

Lentamente, fiquei em pé e curvei o corpo para agradecer. Foi então que percebi. No lugar das rachaduras, existiam pequenas veias que brilhavam, espalhando luz ao meu redor. Me perguntei se eles conseguiam enxergar, mas cheguei a conclusão que talvez fossem apenas capazes de sentir, mas que só isso já era o suficiente.

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