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- O senhor andou mal adquirindo a propriedade sem me consultar, gritou Mendonça do outro lado da cerca.
- Por quê? O antigo proprietário não era maior?
- Sem dúvida, respondeu Mendonça avançando as barbas brancas e o nariz curvo. Mas o senhor devia ter-se informado antes de comprar questão.
- Eu por mim não desejo questionar. Creio que nos entendemos.
- Depende do senhor. Os limites atuais são provisórios, já sabe? É bom esclarecermos isto. Cada qual no que é seu. Não vale a pena consertar a cerca. Eu vou derrubá-la para acertarmos onde deve ficar.
Ponderei ao velho Mendonça que ele já tinha encolhido muito as terras de S. Bernardo. Pedi-lhe que mostrasse os seus papéis. Não sendo possível acordo, era melhor vir o advogado e vir o agrimensor.
- Ótimo! Arranjava-se com os tabeliães e metia-me no bolso. Mas eu não vou nisso. Derruba-se a cerca.
Contei rapidamente os caboclos que iam com ele, contei os meus e asseverei que a cerca não se derrubava. Explicações, com bons modos, sim; gritos não.
E abrandei, meio arrependido, porque não me convinha uma briga com Mendonça, homem reimoso. O que eu não queria era baixar a crista logo no primeiro encontro.
Casimiro Lopes deu um passo; toquei-lhe no ombro e ele recuou. Mendonça compreendeu a situação, passou a tratar-me com amabilidade excessiva. Paguei na mesma moeda, e como ele precisasse de uns cedros que havia perto de Bom-Sucesso, ofereci-lhe os cedros. Recusou, propôs trocá-los por novilhas zebus. Declarei que não tencionava criar gado indiano, falei com entusiasmo sobre o limosino e o Schwitz. Mendonça desdenhava as raças finas, que comem demais e não aguentam o carrapato: engordava garrotes para açougue.
Insisti no oferecimento da madeira, e ele estremeceu. A nossa conversa era seca, em voz rápida, com sorrisos frios. Os caboclos estavam desconfiados. Eu tinha o coração aos baques e avaliava as consequências daquela falsidade toda. Mendonça coçava a barba.
- Relativamente aos limites, julgo que podemos resolver isso depois, com calma.
- Perfeitamente, concordou Mendonça.
Despedimo-nos. Continuei a estirar o arame farpado e a substituir os grampos velhos por outros novos. Mendonça, de longe, ainda se virou, sorrindo e pregando-me os olhos vermelhos.
À tarde, quando voltei para casa, Casimiro Lopes acompanhou-me, carrancudo. Como eu não disse nada, tossiu, parou. Encostei-me a um limoeiro e espalhei ideias ruins que me perseguiam:
- Amanhã traga quatro homens, venha aterrar este charco. E limpe aqui o riacho para as águas não entrarem na várzea.
- Só?
Pensei que, em vez de aterrar o charco, era melhor mandar chamar mestre Caetano para trabalhar na pedreira. Mas não dei contraordem, coisa prejudicial a um chefe.
- Só? tornou a perguntar Casimiro Lopes.
Apanhei o pensamento que lhe escorregava pelos cabelos emaranhados, pela testa estreita, pelas maçãs enormes e pelos beiços grossos. Talvez ele tivesse razão. Era preciso mexer-me com prudência, evitar as moitas, ter cuidado com os caminhos. E aquela casa esburacada, de paredes caídas...
Decidi convidar mestre Caetano e cavouqueiros.
Diabo! Agitei a cabeça e afastei um plano mal esboçado.
- Por enquanto, só.

SÃO BERNARDO GRACILIANO RAMOSOnde histórias criam vida. Descubra agora