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Depois do convite, tornei-me quase íntimo das duas mulheres. Madalena não se decidiu logo. E eu, a pretexto de saber a resposta, comecei a frequentar a casinha da Canafístula. Um dia dei uns toques a d. Glória:
— Por que é que sua sobrinha não procura marido?
Melindrou-se:
— Minha sobrinha não é feijão bichado para se andar oferecendo.
— Nem eu digo isso, minha senhora. Deus me livre. É um conselho de amigo. Garantir o futuro...
D. Glória empinou a coluna vertebral, e o peito cavado se achatou. Esse movimento de dignidade repentina fazia-lhe o vestido preto, já gasto, ficar esticado na barriga e frouxo nas costas. Resmungou palavras imperceptíveis. Pouco a pouco
voltou à posição normal, a omoplata adaptou-se novamente ao pano coçado e o gargarejo tornou-se compreensível:
— Está visto que o casamento para as mulheres é uma situação...
— Razoável, d. Glória. E até é bom para a saúde.
— Mas há tantos casamentos desastrados... Demais isso não é coisa que se imponha.
— Não, infelizmente. É preciso propor. Tudo mal organizado, d. Glória. Há lá ninguém que saiba com quem deve casar?
— Quanto a mim, acho que em questões de sentimento é indispensável haver reciprocidade.
— Qual reciprocidade! Pieguice. Se o casal for bom, os filhos saem bons; se for ruim, os filhos não prestam. A vontade dos pais não tira nem põe. Conheço o meu manual de zootecnia.
Depois dessa conversa, a colheita do algodão prendeu-me duas semanas em S. Bernardo. Refleti algumas vezes no caso. Era provável que d. Glória houvesse batido com a língua nos dentes. Que teria dito? Apareci a Madalena com medo de ser mal recebido por causa da sugestão. Fui bem recebido:
— Como vai a lavoura?
— Vai regularmente. Creio que vai regularmente: ainda não posso prever o resultado da safra. E a sua escola? Os meninos, a d. Glória, sem novidade? Estimo. O que é certo é que a senhora não se importa com lavoura, e eu vinha tratar de outro assunto.
— O convite que me fez pelo Gondim?
Vacilei:
— Mais ou menos.
— Já lhe devia ter respondido que não aceito.
— Que diabo! Mas o aumento do ordenado, filha de Deus?
— Não convém. Estou em seis anos de magistério, não deixo o certo pelo duvidoso. Essas escolas particulares hoje se abrem, amanhã se fecham...
Fiz-lhe um cumprimento:
— Felicito-a pela sua prudência. Efetivamente a senhora arriscava a ficar sem mel nem cabaço.
— Se o senhor reconhece...
— Reconheço. E venho trazer-lhe outra proposta. Para ser franco, essa história de escola foi tapeação.
Madalena esperava, com uma rugazinha entre as sobrancelhas.
— O que vou dizer é difícil. Deve compreender... Enfim, para não estarmos com prólogos, arreio a trouxa e falo com o coração na mão.
Tossi, encalistrado:
— Está aí. Resolvi escolher uma companheira. E como a senhora me quadra... Sim, como me engracei da senhora quando a vi pela primeira vez...
Engasguei-me. Séria, pálida, Madalena permaneceu calada, mas não parecia surpreendida.
— Já se vê que não sou o homem ideal que a senhora tem na cabeça.
Afastou a frase com a mão fina, de dedos compridos:
— Nada disso. O que há é que não nos conhecemos.
— Ora essa! Não lhe tenho contado pedaços da minha vida? O que não contei vale pouco. A senhora, pelo que mostra e pelas informações que peguei, é sisuda, econômica, sabe onde tem as ventas e pode dar uma boa mãe de família.
Madalena foi à janela e esteve algum tempo debruçada, olhando a rua. Quando se voltou, eu passeava pela sala, enchendo o cachimbo.
— Deve haver muitas diferenças entre nós.
— Diferenças? E então? Se não houvesse diferenças, nós seríamos uma pessoa só. Deve haver muitas. Com licença, vou acender o cachimbo. A senhora aprendeu várias embrulhadas na escola, eu aprendi outras quebrando a cabeça por este mundo. Tenho quarenta e cinco anos. A senhora tem uns vinte.
— Não, vinte e sete.
— Vinte e sete? Ninguém lhe dá mais de vinte. Pois está aí. Já nos aproximamos. Com um bocado de boa vontade, em uma semana estamos na igreja.
— O seu oferecimento é vantajoso para mim, seu Paulo Honório, murmurou Madalena. Muito vantajoso. Mas é preciso refletir. De qualquer maneira, estou agradecida ao senhor, ouviu? A verdade é que sou pobre como Jó, entende?
— Não fale assim, menina. E a instrução, a sua pessoa, isso não vale nada? Quer que lhe diga? Se chegarmos a acordo, quem faz um negócio supimpa sou eu.

SÃO BERNARDO GRACILIANO RAMOSOnde histórias criam vida. Descubra agora