No outro dia, de volta do campo, encontrei no alpendre João Nogueira, Padilha e Azevedo Gondim elogiando umas pernas e uns peitos. Elevaram a conversa.
- Mulher educada, afirmou João Nogueira. Instruída.
- E sisuda, acrescentou Azevedo Gondim. Padilha não achou qualidade que se comparasse aos peitos e às pernas.
- Realmente, murmurou esgaravatando as unhas com um fósforo.
João Nogueira lembrou-se de que era homem de responsabilidades. Bacharel, mais de quarenta anos, uma calvície respeitável. Às vezes metia-se em badernas. Mas com os clientes só negócios. E a mim, que lhe dava quatro contos e oitocentos por ano para ajudar-me com leis a melhorar S. Bernardo, exibia ideias corretas e algum pedantismo.
Eu tratava-o por doutor: não poderia tratá-lo com familiaridade. Julgava-me superior a ele, embora possuindo menos ciência e menos manha. Até certo ponto parecia-me que as habilidades dele mereciam desprezo. Mas eram úteis - e havia entre nós muita consideração.
- Acompanhamos o nosso Padilha, disse Nogueira. Viemos andando. Como o passeio era agradável, com a fresca da tarde, cheguei cá, para consultá-lo.
Convidei-o silenciosamente olhando uma janela por onde se viam, sobre livros de escrituração, as suíças brancas e os óculos de seu Ribeiro. Entramos no escritório. Estávamos em princípio de mês. Abri o cofre e entreguei ao advogado duas pelegas de duzentos. Seu Ribeiro tremeu no borrador um lançamento circunstanciado e afastou-se discretamente. João Nogueira sentou-se, passou o recibo, tirou papéis da pasta e explicou-me o estado de vários processos. Logo no primeiro convenci-me de que os quatrocentos mil-réis tinham sido gastos com proveito. Os outros também iam em bom caminho. O tabelião é que não inspirava confiança. E o oficial de justiça. Arame.
- Claro. Faça promessas, dr. Nogueira. Não adiante um vintém. Prometa. O pagamento no fim, se eles forem honestos.
Inteirei-me de particularidades pouco interessantes, dei umas instruções a seu Ribeiro e voltamos ao alpendre, onde Luís Padilha tinha recomeçado com Azevedo Gondim os elogios às pernas.
- De quem são as pernas?
- Da Madalena, respondeu Gondim.
- Quem?
- Uma professora. Não conhece? Bonita.
- Educada, atalhou João Nogueira.
- Bonita, disse outra vez Gondim. Uma lourinha, aí de uns trinta anos.
- Quantos? perguntou João Nogueira.
- Uns trinta, pouco mais ou menos.
- Vinte, se tanto.
- É porque você não viu de perto, interrompeu Gondim. Se tivesse visto, não sustentava semelhante barbaridade.
- Como não? Vi muito de perto, em casa do Magalhães, no aniversário da Marcela. Tem vinte.
- É porque você viu à noite. De manhã é diferente. Tem trinta.
Padilha, observando com tristeza as novilhas que pastavam no capim-gordura, à margem do riacho, e o açude, onde patos nadavam, suspirou e propôs vinte e cinco:
- É o que ela tem. Vinte e cinco.
Estirei os braços, fatigado de haver passado o dia inteiro ao sol, brigando com os trabalhadores:
- Muito bem, Padilha, vinte e cinco para acabar. Vocês jantam, não jantam? Voltam no automóvel. Preciso falar com você, Padilha.
Luís Padilha tinha recebido o recado e desde a véspera remexia o quengo, curioso.
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SÃO BERNARDO GRACILIANO RAMOS
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