Música: Eternas Ondas
Compositor: Zé Ramalho
Intérprete: Zé Ramalho
Sentado ao solo, numa posição budista, no antro do seu quintal místico permeado de acácias, rosas, jasmins, orquídeas e uma bela árvore frondosa e especial chamada mangueira, Dionísio meditava. Enquanto o dia cedia espaço para o arrebol, ali estava ele, introspectivo, inerte no tempo, anos-luz da realidade que o cercava. Do seu lado, fazendo-lhe companhia, uma pistola Desert Eagle, cromada e robusta que pouco a pouco deixava de refletir os raios de luz com a noite chegando. Aquele quintal consistia num reduto, num templo a céu aberto para ele. Uma espécie de portal para o mundo atemporal. A expressão de Dionísio contrastava com o clima de excitação que percorria todo o ambiente que o circundava. Era uma sexta-feira, o carnaval estava prestes a iniciar, com todo o seu significado místico e toda sua carga genética que remonta a Grécia e o culto ao deus que carregara seu nome: "Dionísio".
Até onde se sabe, nos meses que precediam esse festejo Dionísio iniciava esse processo aparentemente doloroso de fugir para dentro de si mesmo, de forma repetida e duradoura. As vezes duravam horas esses delírios. O início de ano sempre fora pra ele um período complexo. Os motivos serão expostos por ele mesmo em momento propício. Fato é que sua vida acadêmica nesse período sempre foi obsoleta. Ele simplesmente sumia, fato conhecido e permitido pela reitoria da instituição.
Enquanto se anulava no seu silêncio mortal, alguém batia em seu portão. A casa do "lobo" remonta o estilo colonial, uma construção histórica que atravessou séculos e que faz parte da genética do Sítio Histórico de Olinda. Situada na rua do Bonfim, a propriedade fora herdada na sua totalidade por ele, filho único. Como uma obra prima, o imóvel carrega traços do barroco em suas sacadas, fruto da colonização portuguesa. Os portões de ferro torcido em desenhado se encaixam em muros que mais parecem fortificações. Sobre esses muros, belas grades se enamoram com plantas trepadeiras, numa simbiose perfeita de ferro, cores e espinhos.
Bem, diante do silêncio e ciente da fase do "amigo", Pedro decidiu bater palma mais uma vez e gritar por Dionísio. Uma vez mais o silêncio preencheu a atmosfera do lugar, fato que trouxe preocupação. Decidindo não mais esperar e acometido de verdadeiro terror, Pedro pulou o portão e correu pela lateral da casa colonial, corredor esse que dá acesso aos fundos, especificamente ao quintal. Nervoso e ansioso ele logo se deparou com o que temia:
— Dion, pelo amor de Deus, o que foi cara? Você ainda me mata! Caralho, pra quê essa arma? Faz isso comigo não! Olha meu estado; aqueles malditos espinhos quase me arrancaram o braço. Olha, sabes que te amamos. Saibas que estou aqui pra tudo! Agora deixa eu tirar essa "coisa" do teu lado.
Numa só tomada de posição, Dionísio voltou-se para Pedro e o encarou com seriedade. Pegou a pistola e guardou-a na cintura, repelindo rapidamente o amigo, que parecia agora um intruso malquisto.
— Deus? Amor? Espinhos? Eis uma dívida que me ocorreu agora Pedro: é o carnaval que se aproxima ou a tua idolatrada "semana santa"? — Dionísio rebateu sem respirar. — Meu amigo, quanto tempo. Não se preocupe, estou bem! apenas fugindo do teu conceito de Deus, procurando o significado de "amor" e tentando me livrar das dores que os espinhos da existência me trazem. O tédio se apossou de mim e nessas horas, um tiro na cabeça não seria má ideia! Essa é minha verdade. Para ser honesto comigo mesmo, um bom vício nessas horas constitui o único caminho para sair dessa clausura espiritual. Abusando da racionalidade percebi que os instintos ou impulsos, longe de constituírem algo de anormal e pecaminoso representam a essência do homem. A sexualidade é a porta de saída pra mim! Fora disso, não aguento com minha cabeça. Por sorte, aprendi a caminhar no mundo feminino, o mundo das deusas encarnadas.
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"DIONÍSIO" - Manipulador (Livro I)(COMPLETO)
ChickLit- Eu sou a sua loucura, a sua insanidade. Faça parte do meu mundo e te darei o que você sempre procurou durante a vida. Porém, uma vez diante da verdade, jamais serás a mesma. - essas foram as primeiras palavras dele, Dionísio, quando pela primeira...