Capítulo 24 - "Thanatos"

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Estou diante do espelho, no banheiro. Minha silhueta se perfaz e eu gosto do que vejo. Um rosto tranquilo e jovial, pintado com leves traços de cinismo e audácia. Disparo um sorriso eloquente e uma sensação de liberdade quase me domina por inteiro, não fosse o fenômeno que começa a se manifestar: minha imagem envelhece repentinamente, num processo rápido e voraz. os anos parecem passar em segundos. A minha silhueta formada num ambiente claro e reluzente agora se reduz a traços expressivos e doloridos num rosto  que envelhece sem cessar. Sou eu, disso tenho certeza, e não o sou ao mesmo tempo. O ambiente começa a escurecer e deixa minha face atônita em evidência, uma face senil e debilitada.  Me aproximo do espelho meio embaraçado perturbado com o fenômeno e sou pego de surpresa: uma mão envolve o meu pescoço e me puxa para o escuro, desfazendo minha imagem. Torno-me outro, então. Estico uma das mãos para socorrer aquele ser desesperado que some no escuro enquanto coloco a outra mão no meu pescoço, devido a falta de ar. 

— Não! — disparo um grito que me traz à realidade. São quatro horas da manhã em ponto. Acordo Tomado pelo suor, delirando. Nunca tive um pesadelo tão real, um sonho lúcido. A falta de ar me deixa disperso. Estou enjoado e bem fadigado. 

Sozinho no meu quarto, preciso levantar para tomar um copo de água e aplacar a sensação de desespero que faz meu coração pulsar acelerado. O sentimento de vazio existencial combinado com  melancolia me toma de assalto. Estou inquieto com aquele rosto envelhecido que derivou da minha própria imagem. Seria uma vertente do meu "eu"? um lado frio e distante que preciso aniquilar? Estou pensativo. Esse pesadelo seria um deleito para o Sr Freud. Já na cozinha, apanho um copo com água e volto vagarosamente para o quarto. Torno a me deitar e preciso pensar em algo que me traga de volta a esse mundo real: Luna! Meu inconsciente a coloca no centro do meu palco. Aos poucos passo a refletir sobre as sensações que colhi junto aquele ser. O cheiro dela ainda está em meu quarto. Me concentro nesse mundo recém descoberto e aos poucos volto a relaxar. A sensação de desespero e dor não me deixam sossegar. Estou lutando para voltar a dormir. Nunca me senti assim antes, pelo menos nessa intensidade. Meu peito exala melancolia e dor. Não sei de onde deriva essa energia. Meu inconsciente não fora acordado nesses últimos dias. Não fui aos subterrâneos da minha alma, aos pontos escuros desde que a conheci. Me propus essa regra. Pelo contrário, decidi me abrir para o irracional, para o sentimento, para o mergulho no abismo. Não me entendo. Tenho consciência de que sou limitado, mas essa nuvem que agora irrompe sobre minha cabeça está me matando literalmente. Ainda estou sem ar. Preciso descansar para encontrar minha "lua" e sair desse inferno. Olho para o relógio disposto sobre o criado-mudo e ele marca  hs 04:30 a.m. Aos poucos aquele turbilhão de loucura, aquele pesadelo vai se desfazendo e apenas o silêncio do quarto escuro se faz presente. Começo a me sentir sonolento e fraco. Me deixo levar. Vez ou outra, aquela imagem do velho agonizando me desperta e nesse "jogo delirante" volto a dormir.  

— Dionísio!— depois do grito, o assobio inconfundível de seu Manoel me traz ao mundo dos vivos. 

Acordo meio aturdido. Olho rapidamente para o relógio: são hs 07:00 da manhã. Procuro rapidamente algo para vestir. Estava despido desde que acordei ensopado de suor em plena madrugada. Coloco rapidamente um short e uma camisa e me dirijo ao banheiro para lavar o rosto. Estou com olheiras bestiais e o cabelo desarrumado. Mas, carnaval é isso! Não é esse detalhe que me preocupa. Saio do quarto as pressas e abro a porta da sala que dá acesso ao terraço. 

—Ai está você, Dion! Doutor, perdão pela audácia. Mas, estes dois senhores estão aqui no seu portão tentando falar contigo, faz um tempo. 

—Não se preocupe com isso seu Manoel. Bom dia senhores! Argumento, enquanto desço as escadas do terraço para abrir o portão, descalço. O sol já está de pé e fazendo sua festa. Quase não consigo abrir os olhos, dada a claridade. O calor já se faz presente, assim como os foliões que não perdem tempo em povoar as ruas de Olinda com seus tons e sons de carnaval.

"DIONÍSIO" - Manipulador (Livro I)(COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora