Capítulo 1 - "Prazer"

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Música: Bicho de Sete Cabeças

Compositor: Geraldo Azevedo

Cantor: Elba Ramalho e Geraldo Azevedo



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— É chegada a hora! Desejas a iniciação? Pois, então, tenho que fazer algumas ressalvas:

— Se teu ser transige e se alinha com a "moral" e com os "bons costumes" advirto que não prossigas!

— Se a tua fé é um estábulo hermético e dogmático, adotada mais por tradição que por sensibilidade e consciência, advirto que não ouses me dar ouvidos!

— Ouvidos..., por falar neles, constituem o meio através do qual te colocarei em outra dimensão, sem piedade, pudor, pena ou trégua. Te controlarei, MÊNADE!

— Se teu coração é rio que secou e desejas deserto e nada mais, peço que desistas imediatamente, sob pena de jamais creditares a ti mesma qualquer juramento, qualquer estabilidade!

— Se tua boca incessantemente pronuncia a completude e a maturidade, não continue. Simplesmente encerre essa loucura, sem mais!

— Passadas as regras, as advertências e as cartas marcadas, estais ciente, pois, do mundo que adentras nesse instante: o mundo do caos, dos excessos, dos prazeres, para além do bem e do mal! Estarei a partir daqui, dentro da tua mente! 

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Eis uma passagem da peça teatral "Mênades", escrita e encenada em forma de monólogo, no anfiteatro da Universidade, pela figura mística que em breve falará a todas e todos que estão ávidos em conhecê-lo. Me chamo Iasmim e peço licença para apresentá-lo, pelo menos superficialmente, de forma deveras breve. Talento é palavra rasa diante dele, desse "próximo" (amigo seria mais usual, porém quando se trata dele, não se encaixa). Ele é louco e incompreendido. É um deus encarnado que faz jus ao nome: Dionísio. Sim, sou louca por ele e jamais senti isso por alguém, porém numa concepção bem diferente. É meu terror e meu porto seguro, com toda a antítese que permeia essa ideia.

Conheci tal ser na Universidade, num dia atípico, insólito, tempestuoso. Era aluna do curso de artes cênicas e estava às vésperas de uma prova de filosofia clássica. Sentada no jardim da universidade, foleava um livro. Estava nervosa, insegura, relapsa e meio perdida no tempo, confusa. De repente, ao levantar minha cabeça para me situar, fui tomada por um olhar intrépido, de uma energia incomensurável. Um indivíduo me fitava de modo desconcertante. Aqueles olhos enegrecidos e radiantes me submetiam e me deixavam estática de maneira avassaladora. Com as mãos trêmulas, extasiada, deixei o livro que tinha nas mãos cair. Tratava-se do "Nascimento da Tragédia" de Nietzsche. Naquele instante fiquei apenas observando ele vir em minha direção como um predador, um lobo, bailando por entre colegas que estavam no jardim.

Confesso que jamais senti tamanha explosão instintiva me percorrer o corpo como naquele momento. A sensação de ser caçada de forma voraz me fez pensar em fugir, para preservar minha sanidade. Porém, o prazer e o controle claramente expressos naquele olhar me bloquearam todos os sentidos e simplesmente emudeci. Não tinha força pra nada. Jamais esquecerei aquilo. Incrédula, fechei os olhos acreditando que se tratava de um surto psicótico, um devaneio oriundo de leitura profunda combinada com café em demasia. Exatamente com os olhos cerrados fui atingida por um fluxo indescritível de energia que me deslocou da realidade. Ele se aproximou de mim, me sondando e, junto ao meu ouvido, com uma voz suave, pausada e letal me implodiu:

"DIONÍSIO" - Manipulador (Livro I)(COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora