Capítulo 21 - "Synergía"

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—Dionísio!! — alguém chamava insistentemente, imerso na multidão. O fluxo frenético de pessoas, cores e sons tornava essa tentativa de comunicação ineficaz. 

Recostado numa parede na "Esquina dos Quatro Cantos" ( cruzamento da Rua de São Bento com a Rua Prudente de Morais) Dionísio segurava Luna pela cintura, enquanto delirava frente à execução do Hino de Olinda, realizada por um bloco carnavalesco, repleto de bonecos gigantes que abriam passagem rodopiando numa plástica belíssima. Luna, radiante, estava embasbacada com aquela euforia. No meio daquela agitação, a atenção do lobo foi desviada repentinamente com um assobio familiar: Seu Manoel. O Português, vizinho de Dionísio, sempre foi considerado como um tio. Algumas vezes tirou Dionísio de apuros, assobiando para chamar pelo garoto Dionísio, sempre que os avós ou Dona Silene  estavam a sua procura. Dionísio conhecia muito bem aquele sinal. Buscou atentamente por entre os foliões pelo amigo. No canto oposto ao que estava, na subida da Rua de São Bento, defronte a um bar, Seu Manoel sinalizava com a mão, chamando-o. Imediatamente falou aos ouvidos de sua "lua" e a segurou pela mão. Aproveitou uma brecha para atravessar aquele mar de gente.

— Dion! Venha tomar uma com o velho aqui! Isso é uma raridade! Encontrá-lo nas ladeiras em pleno carnaval é improvável! Ah!! A moça certamente o encantou....

— Seu Manoel, acasos são acasos. — Disparou um sorriso cínico.— Essa é Luna. "Lua", esse é meu "tio"; meu cúmplice de traquinagens.   

— Linda! Prazer senhorita. Muito cuidado com Dion!— o homem fez questão de brincar. —Esse rosto belo e novo do Doutor Dionísio não me engana...risos!

— Prazer, Seu Manoel. Eu percebi. Obrigado por avisar! — O sorriso denunciativo de Luna deixou Dionísio deslocado.

Mal acabara de falar e um dos bonecos gigantes passou perto do trio, rodopiando. num dos movimentos, uma das mãos da alegoria tomou um destino certo: a cabeça de Luna. Não fosse o braço de Seu Manoel, ela certamente ficaria bêbada de uma vez. 

— Senhorita, com essa beleza e esse encanto certamente o que vem de baixo não a atinge. Quanto ao que vem de cima, já não posso garantir. — o português caiu numa gargalhada sem fim, e foi acompanhado por Dionísio. Os dois pareciam muito próximos para não dizer cúmplices de fato.

— Agora sei de onde deriva tanto cinismo! —Luna falou, olhando para Dionísio, que retribuiu com um olhar amável e tranquilo.

— Dion, toma uma comigo? Aguardente!

—Barco perdido, bem carregado! 

A bebida foi pedida e em segundos ambos estavam com as doses em mãos. 

— "Às nossas boas qualidades, porque as más a polícia já sabe"! "pra dentro"! — disse seu Manoel, antes de beber de uma só vez. Dionísio acompanhou a jornada.

— Já estou bêbado. Agorinha estava bom, mas, sinto que ficarei mais uma vez depois dessa! — esbravejou o português, enquanto sorria.

—Cuidado seu Manoel! Dizem que rabo de bêbado não tem dono!—Dionísio falou de forma descontraída.  

—Não por acaso estou recostado na parede. Daqui não saio, daqui ninguém me tira! Só volto pra casa sóbrio! — Seu Manoel soltou uma bela gargalhada. —Meu garoto! Doutor, muito obrigado por me conceder esse privilégio de dividir uma dose. O considero como um filho.

Dionísio colocou a mão no ombro do velho, assentiu com a cabeça e soltou um sorriso sincero e tranquilo, reconhecendo cada sentimento contido naquelas palavras, em clara manifestação de apreço, respeito e carinho. Em seguida apertou a mão dele e se despediu.

"DIONÍSIO" - Manipulador (Livro I)(COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora