Capítulo 26 - "Gnôthi sautón"

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Ao abrir a porta da sala, me deparo com Dona Silene, séria e preocupada, observando-me. Está sentada de maneira inquisitiva. Eu não sei por onde começar. Nunca chorei na frente dela. Jamais dividi minhas amarguras. Ela está diferente. Seu olhar é estranho. Parece místico. Estou acabado e muito cansado para arriscar contornos e metáforas.

— Ai está você! Meu filho, quanta aflição nesse início de vida. Dionísio, sente ai, precisamos conversar. —palavras de rainha. Emudeço para ouvi-lá.

Simplesmente reconheço nela um ser diferente e altivo, dotado de verdades que preciso ouvir. A sua serenidade me assusta e me conforta ao mesmo tempo. A energia materna me preenche e me dá um pouco de paz.

— Deverias ter me avisado sobre Apolo. Eu esperei muito por esse dia. Esperei que ele fosse encontrado, par que eu pudesse te apresentar algumas verdades, na presença dele. Mas o universo conspira numa lógica notoriamente mais oculta e mais diligente que não consigo agora perceber. 

—Preciso de verdades. Quero todas as janelas abertas. Chega de escuridão!— argumentei, acometido de tristeza.

— Seus pais se apaixonaram perdidamente na universidade. Lembro-me bem do dia em que Apolo nos visitou. Um homem distinto. Você guarda quase tudo dele. São semelhantes.... 

— Não pertenço ao mesmo mundo que ele. Não tomaria o mesmo rumo que ele tomou... — argumento friamente, na medida em que uma lágrima lava meu rosto frio.

— A razão do universo é superior à nossa, meu filho. Raiva e revolta não servem pra muita coisa. Ele sofreu demais. Não achas? Trinta anos de agonia. Olhe, Dion, eu vi o rosto de desespero dele, quando sua mãe desfaleceu. Foi a coisa mais triste que presenciei...— ela arrisca mais algumas palavras, porém não consegue. — estou em silêncio, sentado no sofá, de cabeça baixa. Minha aflição pesa uma tonelada.

—Dionísio...tenho duas recordações para você. Uma carta que sua mãe escreveu um dia antes de você nascer e um cordão de ouro que seu pai mandou fazer pra ti.

—A senhora nunca me falou sobre isso!

—Não queria atormentá-lo. Esperei muito que seu pai voltasse, vivo. Mas, algumas coisas matam o ser em vida. — essa ultima frase me remete direto à Luna. Uma pontada de dor me atinge, fazendo-me tremer. Lembrei da última imagem que vi: Luna em prantos, desolada.

Ela levantou da cadeira, tirou do colar uma pequena chave que servia como pingente e caminhou para cozinha. Deslizou a mão sob a mesa de madeira e encaixou a chave com precisão. Eu nunca havia prestado atenção nos detalhes daquela mesa. Dois giros e um gaveta se abriu. De dentro daquele "cofre" Dona Silene retirou as lembranças.

— Tome, está mais do que na hora! — ela fala, emocionada e aliviada. Essa é a minha poesia predileta, escrita por sua mãe. 

Em silêncio, abri calmamente o papel envelhecido e passei a pupila por cada letra num frenesi de emoções.


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" Dionísio"


Queres me encontrar?

Então mire o espelho: percebeu?

Tudo em você sou eu

Estou no brilho do teu olhar!


Estou além, nas asas de um beija-flor brejeiro

Numa folha amarela e madura que cai

"DIONÍSIO" - Manipulador (Livro I)(COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora