Capítulo 12 - "Anamnesis"

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Música: É o Que Me Interessa

Composição: Lenine / Dudu Falcão

Intérprete: Lenine



Na banheira, imerso num silêncio aterrador, o lobo se recompunha. As sombras que o perseguiam faziam dele um ser inóspito, frio, póstumo. Dionísio sabia que precisava sair daquele ambiente com urgência. Passou a mergulhar no mundo mágico delas, de seu subsolo, numa tentativa agonizante de se libertar da autodestruição. Emergiu da banheira, apanhou rapidamente uma toalha a se colocou diante do espelho, meio aturdido. Enxergou de imediato as duas facetas que se enfrentavam na parte mais profunda de seu ser. O lobo bradava com violência sobre um homem cansado da existência, que não demonstrava medo do aniquilamento. Precisou se esforçar para esquecer o espelho e respirar o aroma doce e envolvente daquele mundo que vibrava sob seus pés. Saiu do quarto com o intuito de apanhar algumas rosas no jardim e voltar ao antro do ritual. No subsolo, as iniciadas faziam jus à magia da energia dionisíaca. Estavam vibrantes, cada uma a seu modo, entre sorrisos e palavras soltas no ar. Entre segredos e confabulações, brincadeiras e relatos de experiências Valentina pediu um pouco de silêncio.

— Sei que não deveria dizer, mas considero importantíssimo. Quarta-feira, dia 28 de fevereiro é o aniversário dele, de Dion. Ele jamais gostou dessa data, mas, como disse, é digno de nota. Acho que todas aqui deveriam saber...

— Bem, acredito que além de você Valentina, apenas eu sabia desse fato. Ele jamais toca nesse ponto...Quero aqui fazer uma advertência sobre isso...Jamais se refiram a essa data! — reforçou Iasmim com uma voz doce, porém firme.

— Alguém sabe a razão disso? — indagou Luna, em tom inquieto...

— Algumas verdades estão enterradas e devem permanecer.

"É no disfarce que se encontra o bandido", cogitou Luna. Certamente na condição de inquisidora, cientista e com uma personalidade excêntrica não deixaria esse "divisor de águas" passar. Pouco depois de encerrarem esses breves comentários, as meninas voltaram ao ritmo do ritual. Escutaram os passos que ecoavam por sobre suas cabeças. Não demorou muito e Dionísio reapareceu na "escada- fantasma". Portava um belo ramalhete de rosas nas mãos e no rosto uma feição aparentemente tranquila, com um traço de conspiração. Um bom sinal, uma faceta de quem estava tramando algo.

— Perdão pela ausência. Precisei me recompor... — sorriu, na intenção de guardar apenas pra sí, na parte mais inóspita do seu espírito a batalha travada entre duas de suas facetas mais enérgicas e complexas. —  Quase acabam comigo. Fui caçado sem trégua! — ele advertiu, com um semblante moldado, fruto das artes cênicas, da sua exímia capacidade de sublimar e vestir mascaras a seu gosto. Assim voltou ao subsolo, para presentear as iniciadas, uma a uma com as belas rosas.

— O que estais tramando "louco"? Te conheço um pouco... — Valentina mirou a fera, com um ar de riso estampado no rosto.

— Sou tão previsível assim? Não precisa responder: sempre soube disso...! — Um leve sorriso escapou dos seus olhos. Ele deixou-se entrar no jogo e expulsou mais uma vez o fantasma que o atormentava.

— Quando você quer, sim! 

Enquanto esboçava um sorriso tranquilo e sincero, o lobo se sentou junto  à Luna. Se apossou de uma taça e a emborcou. Passou um olhar firme por todas as iniciadas. Iasmim o reconheceu de pronto. Lembrou do primeiro encontro do professor nos jardins da Universidade. Algumas sorriram; outras tingiram o rosto de silêncio e embaraço.

— Vinho Dion? — indago Iasmim.

— Não meu Jasmim, obrigado. Pelo menos não agora! — estava taciturno.

"DIONÍSIO" - Manipulador (Livro I)(COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora