Capítulo 9

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"Estávamos em casa. Me vejo, fora do próprio corpo, em fuga do meu quarto azulado atendendo ao pedido da minha mãe para consertar a calha que saiu do eixo pelos ventos fortes que antecederam um temporal em Flor-de-Lis. Ela estava no Quarto de Artesanatos esculpindo na madeira os novos modelos de letras e quadros para a ala de decoração na loja, mas sequer reparei. Pela ocupação aparente, só sairia de lá quando estivessem prontos - foi que sucedeu naquele dia. Depois da fácil empreitada para resolver o problema, fui à sala, e sentei no acolchoado feito para nos despojar. Liguei a televisão. Estava com uma cara horrível, como se estivesse decepcionado. Me surpreendi com a alegria de alguém mais saltitante que um palhaço de circo vindo na minha direção. Observo essas duas pessoas em estados desiguais. Thomas não guardava rancores, só queria viver em união. Sim, a criança esperta e espontânea, de um grande coração, só queria atenção. Ele me perguntou se estava bem. O respondi positivamente sem palavras. De repente, Thomas começou a ficar fisicamente assustado. Como não estava percebendo? Ele abria bem os olhos e a boca, além de se afastar de mim. Seus passos eram lentos para trás. Daniel, olha para ele! O que estou assistindo? É sério? Um documentário sobre aves? Ei!

Thomas murmura:

- Sai de perto de mim.

Por que disse uma coisa dessas? Sou quem ele queria mais perto. Não esse garoto que vejo estirado no sofá. Thomas mudou de expressão, estava prestes a chorar. Levou os olhos a lacrimejar. Se tornou ofegante. Me questiono outra vez, e não consigo interferir em nada. Ele ficou imóvel, temendo algo! Diz a ele que está tudo bem. Pede para se acalmar! Não adianta. Quando o corpo dele caiu, sem vitalidade, o Daniel despreparado percebeu. Ele estava tenso e clamava pelo socorro da Mãe. Então, antes da sua chagada, a sombra, a mesma que apareceu naquele pesadelo, ressurgia, e estava me encarando em prantos."


Movo minha cabeça de um lado a outro. Thomas! Quero você comigo. Quero te alcançar, mesmo que as circunstâncias não estejam sendo favoráveis a mim. Quero a sabedoria para agir. "Ele o levou, Daniel". Daniel. Daniel.

- Daniel! - um brado. - Acorda!

Essa voz. Como pode, mesmo sob euforia, ser tão suave?

- Daniel!?

Me toca, me balança, literalmente, com as mãos em meus ombros. Não para. Até, enfim, me tornar lúcido de uma vez. Com os olhos esbugalhados, vejo a garota que conheci há dois dias. O ambiente está no modo lentidão. Estou com muita dor de cabeça, fazendo com que leve as mãos à mesma. Sara, de imediato, emite um som com os dedos. Ela os estala. Três vezes. Tudo fica mais nítido.

- Mas o que...

- Não podemos perder tempo.

- Ah... Que horas são?

- Nove.

- Já é nove?! - me apresso na fala.

- Estou pronta. Despertei mais cedo, para resgatar alguns itens da minha mochila e...

- Espera, por que não me chamou? Eu poderia ajudar. - apenas uma singela desconfiança.

- Você estava num sono profundo.

Tiro o lençol de cima com corpo e sentei para colocar os tênis aos pés da cama. Enquanto dou os laços, olhando para ela, capto a estranheza com que pronunciou as palavras. De certa forma, robotizada e retraída. Agora está pensativa, com as mãos no queixo, evidenciando preocupação.

- Sara, está ponderando à possibilidade de não os encontrarmos neste lugar?

- Não... - sabe que proferiu de maneira tristonha, então desconversa. - Eu só... Vamos logo.

Até o Limite por VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora