Minha fisicalidade está por um triz de se esvair junto à desestabilização dos meus raciocínios. Ainda que o ponto cerne de coragem incita o ares protetores que nos rondam e não enfraquecem de modo algum. Pelo contrário. O arrebatado assombro de grau elevado é entrecortado. Supre a perda de um foco ressentido. Pois, ao aconchegar meu irmão tão firmemente e suspirar por um segundo sequer, tudo acaba sendo passageiro.
- É o quê? - ele interpela abaixando a arma de fogo, mesmo sem Sara dizer uma palavra.
É quando a vinheta tal qual fechara minha visão ao fitá-lo, some aos poucos e meu sangue volta a circular devidamente. Mas as indesejáveis dores que sinto - agora nos dois braços, com designações diferentes - retornam.
- É tu mesmo menina? - ele abre bem os olhos, levanta os óculos e se aproxima dela.
- Oi Senhor Frederico! Sou eu. Se lembra de mim?
- Mais rapaz, é claro que lembro de tu. Por onde tu andava esse tempo todo, hein? - Senhor Frederico entra para guardar o revólver em algum lugar atrás da porta. Quando volta, eles se abraçam, por iniciativa dele. - E teu pai?
- Ah, Ele...
- Que surpresa te ver por aqui a essa hora. Achei que fosse um bicho do mato, tava tudo calado, então pensei ligeiro em pegar minha arma logo. Esses miseráveis...
Ele é astuto no que prefere. Um discursista nato. Seu sotaque é bem característico. Ele fala, fala e fala. E por mais óbvio que seja, ainda não me viu. Até Sara o interromper.
- Senhor Frederico. - ela levanta uma das mãos.
- Diga.
- Olha, nós...
- Tu num quer entrar? Tá um sereno nervoso aí fora. Bora. - Ele segura em seu ombro. Mas ela reage puxando o braço dele para fora. - Que foi?
E ele me vê.
- Mais rapaz, que menino e esse, hein? Esse eu nunca vi na vida.
Permaneço quieto, respirando junto a Thomas.
- Então, estava querendo te dizer antes... Eu e o Daniel precisamos de sua ajuda.
- Ele tá bem acabado, né não? Vish.
- Queríamos entrar. - diz ela.
- Tais bem? - Acho que está falando comigo, mas não o entendo de imediato. - Tu fala ou é mudo assim?
Balanço minha cabeça em positividade.
- O povo daqui é esquisito mesmo... Mas tá! Bora entrar todo mundo, que tá um frio de lascar aqui fora. - Ele vem até mim e impulsiona levemente meu ombro em direção ao interior da moradia. - Tu também... Bora, todo mundo. - Sara se adianta. - Nossa, que fumaceira medonha.
Enquanto a porta é fechada, ele vai falando o que vem à mente. Não absorvo nada.
Quero olhar a casa onde ficarei por um tempo.
Por uma noite...
Um dia...
Dois...
Três...
Um tempo.Se a residência de Miguel servisse como um comparativo-mor, é indispensável a notoriedade de uma bagunça suja e generalizada. O que é tudo isso? Tanto fora quanto dentro, a longevidade espanta. Na pintura bege das paredes, há descascos e buracos que nem rente quero passar. Noto a discreta cômoda de uma só gaveta ao lado da porta, tal qual presumo ter guardado o revólver. Mais três passadas à frente, ouço: "Não se avexe menino, aqui não tem nenhum bicho. Só ontem que matei um gambá safado embaixo da minha cama... Mas quando cheguei, ficou de pantim pro meu lado." E emite uma risada. Não esboço resposta, só que ele continua a falar. E eu a observar. No meu campo periférico direito, antecedendo o corredor, um amontoado de madeiras cerradas cobre algo como uma outra porta para fora; bem próximo, em cima de uma mesa estreita sem cadeiras, uma grandíssima mochila de viagem com duas varas de pescar acopladas estão cobertas com uma rede emaranhada aos pingos. Mesmo com dor ao segurar Thomas, me permito a olhar mais. À esquerda, meio a um escuro fraco - pois a lâmpada acesa está acima de nós -, vejo um degrau para baixo com relação onde estamos, destinado à sala e cozinha sem divisão aparente; reparo que a televisão quadrangular antiga está ligada num canal bíblico, em seguida, a fumaça saindo da cozinha chama atenção, mas não cheira queimado. Bem, esse lugar tem um leve odor de leite azedo com lavanda ou algo parecido - um cheiro floral artificial. Paro diante duma parede, duas pessoas adultas me espreitam através de suas fotografias nos dois quadros pendurados, ao meio deles uma porção de terços, escapulários e amuletos sagrados, em baixo, um diminuto balcão de pernas altas apoia algumas sacolas, ferramentas menores e velas.
- Senhor Frederico, Daniel está com o irmão dele nos braços e...
- E é?
- Sim. Eles precisam de médicos.
- Mais rapaz, que médico que tu vai encontrar aqui? Vish.
- Por enquanto...
Eu me viro a interrompendo. Eu não consigo mais segurá-lo.
- Por enquanto, precisamos de uma cama! Por favor.
Soa quase como uma súplica incisiva. Eles me olham em silêncio por alguns segundos.
- Oxe, mas por que não dissesse antes? Logo vi que tu tava todo troncho. Bora, venha logo! - apressado, ele me leva a um quarto adentrando o corredor com três portas. A cada pisada que dá, é um tremor nas madeiras em nossas solas. Ele abre a segunda delas. Aciona o interruptor e o quarto clareia.
Vejo a única cama, e para ela eu sigo. Pouco antes de chegar o manto cai, sem intenção venho a pisar, mas logo após me sento sobre esse lençol fino disposto num colchão de espuma e aconchego Thomas no travesseiro modesto almofadado. No mesmo instante, meu braço direito despenca e o enfermo consterna numa intensidade inenarrável.
- Aaai! Meu...
Sara aparece surpreendentemente rápido, pega o manto do chão, dispõe em cima de Thomas e ajoelha perante a mim.
- Dói muito?
- Sim... - estou ofegante. - Muito.
- O efeito está passando. - ela sussurra. - Senhor Frederico, tens alguma faixa médica ou tecido que...
- Eu tenho, eu tenho. Não se avexe. - ele sai num pique.
Uau! Meu corpo está para um híbrido de forças físicas opostas, com sensações orgânicas que nunca havia sentido. Enquanto os músculos dos meus braços doem e estão a formigar, minhas pernas pediram esse momento de descanso. Como as dela, que se permite sentar junto a mim, aliviada. Porém, no meu caso, mais que a porcentagem de alívio, as dores costumáveis e inéditas estão em alta.
- Não deveria ter deixado você carregá-lo por tanto tempo.
Minha cabeça está abaixada. Ambos parecem fora de alcance.
- Já passou, e você sabe do que preciso neste momento. - digo. Após ouço o Senhor Frederico resmungando por não encontrar a "disgrama" da faixa.
- Sim. Também sei que você não desistirá tão claramente, mas peço sua calma.
- Não está sendo claro garantir isso. - ainda não a direciono o olhar.
Ela se cala. Pega minha mão direita, meu braço reagem com uma contração involuntária, ainda assim, a acaricia com as suas.
- Achei! - Ele vocifera do quarto ao lado.
Sara se levanta para pegar os objetos.
- Também encontrei uma pomada pra dor. Essa é boa, visse?
- Obrigada Senhor Frederico.
Assim que adquire os produtos, ela começa um conhecido e doloroso procedimento. Tirando o tecido cinza com cuidado, juntos sustentamos para que o gínglimo não desdobre. Ela trata com leveza e atenciosidade, enquanto passa a pomada sob a pele. Com a ajuda da luz, contato o inchaço igual às vistas passadas. Nada mudou. Só o fato de doer mais a cada hora, e a cada passada dos dedos dela sobre ele. Logo, isola em movimentos circulares, deixando sobrar um pedaço grande para enlaçar no meu pescoço.
- Pronto.
Frederico pega a pomada dada pelas mãos dela e diz:
- Tô vendo que tu tá com uns corte aí no outro braço. Vou pegar Babosa pra tu. Minha mãe sempre dizia que Babosa cicatriza mais que qualquer remédio, e ela tava é certa. Vou arrudiar a casa pra pegar dois galho. - Ele deixa a pomada num tamborete de madeira ao lado da cama, e me fita. - Teu zoinho não me engana, tais é com fome né? Ó, eu já comi a janta, mas ainda sobrou, vou esquentar pra vocês. - E ele vai caminhando em direção a porta. - Deram sorte de eu não estar com tanta fome assim hoje... Volto em dois tempo!
Este é o Senhor Frederico.
O inesperado talvez.
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Até o Limite por Você
Mystery / ThrillerE se conseguíssemos perceber no ápice duma exaustão contínua que para salvar a vida de quem amamos, precisamos tomar decisões arriscadas que se fazem necessárias para reconhecer o cerne deste sentimento para ambos conseguirem sobreviver? Daniel é um...