Capítulo 16

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"Há sete anos, no dia de Páscoa, minha mãe estava preparando o almoço suculento pelo cheiro quase degustativo, e meu Pai estava em casa, edificando a estrutura do Quarto de Artesanatos. Já eu, bem, praticando as jogatinas emuladas de Super Mario Bros 3 no novo console presenteado meio à cesta dos ovos de chocolate. Despojado, praticamente afundo no sofá. Passam horas a fio, até acabarem seus afazeres e se acomodarem na mesa para almoçarmos.

Esse Daniel que me deparo, não repara nos pais o chamando. Só que o detalhe pertinente em mim, em meados dessa idade, era a detestável teimosia e irresponsabilidade para com eles. Quase sempre precisava de autorização, e claro, ainda não via isso com um olhar refinado.

- Daniel, vai nos deixaram esperando? - disse ele. Quando percebeu a desconsideração, persistiu: - Filho. Daniel!

Então ela se levantou, veio a mim.

- Olha, quando você conseguir nos ouvir, vai aprender que se pensar além do óbvio, pode encontrar lugares melhores. Agir assim, não vai te ajudar nem na procura.

Naquele instante, pareci indiferente. Mas, na noite deste mesmo dia, absorvi de maneira arrebatadora. Pedi desculpas aos dois. Em seguida, foram horas de conversas trocadas. E tudo se neutralizou."

***

"Há seis anos, no meu quarto, me vejo acamado. Contraí uma forte gripe, e eles cuidaram de mim. Apesar dos meus ciúmes estampados assim que percebi que as atenções estavam única e quase que exclusivamente voltadas para Thomas. Eu não tinha acostumado com o novo integrante ainda. Meus pais estavam no quarto dele, e eu ouvia risadas. Aquilo me deixava completamente intrigado e as distrações eram bem vindas, então, tentava focar naquela atual leitura de Carrie - a estranha, de Stephen King, mas estava impossibilitado de focar nos parágrafos, nas minuciosidade, e para tanto, fechei o livro, a revelando caminhar até onde estava.

- Querido, você está bem? - se sentou ao meu lado esquerdo. Estava erguido por travesseiros.

- Sim.

- Ótimo. E, bem, sei que não podíamos, para não correr riscos, mas o trarei aqui para vê-lo.

Eu quase respondi não, mas ela já havia saído. Quando retornou, meu pai estava com Thomas nos braços. Ao longe, os vendo se aproximarem, lembro que estava me sentindo deslocado. Até o gracioso momento que aquele garotinho me olhou com aqueles grandes olhos castanhos, como numa primeira vez, e mesmo estando com a chupeta verde-água na boca, conseguia discernir sua expressão de... Carinho. Talvez por percepção, meu pai se aproximou e o posicionou sentado ao meu lado. Thomas olhava para mim, eu para ele, e nossa conexão havia começado ali. Ao me abraçar, acariciando minhas costas, tive a certeza de que eu deveria abster todo o sentimento desdenhável.

Nunca é tarde.

Nunca será tarde.

É preciso refinar o olhar."

***

Este sou eu.
Sempre tentando mudar.
Para algum dia me encontrar.

Este sou eu, agora sufocado, preso em sentimentos intensificados que me atribuem o dever de impulsionar um deles. A coragem. Desabrocha em mim uma grande esperança de acerto, porém, é mais do que arriscado. Quero pensar melhor para não fomentar estupidez, mas se fizer, meus tímpanos podem estourar.

Chega de ouvir tragédias.
Chega de ouvir duvidosos testemunhos.
Chega de ouvir calúnias.
Chega de tudo.

Brado num ato precipitado e forte:

- Já chega!

Esse arroubo me veio de outro mundo. A elegância, o grau, o tom agressivo, a rapidez, destreza, traçaram outra vertente a se seguir. Mesmo com o estado da minha garganta estar pior do que pensava, como se estivesse dissolvendo a saliva em ácido, sou enfadado pela rigidez. Percebo que cuspi gotículas no rosto dele, que ainda permanece imóvel.

Até o Limite por VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora