Capítulo 15

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Ereto, Miguel procura algo na outra poltrona paralela à esta que me comporta. Pelo sacrilégio da emoção, sejam por quaisquer atitudes a serem tomadas por ele, volto a fixar na mente que não o obstarei. Apesar da minha não movimentação, me concentrarei em afastar as falhas psicólogas que de tão frágeis, causariam um surto.

Se não ouvir retornos, pode agir diferente do primeiro contato. Isso não seria exatamente uma lógica que propiciaria minha libertação, mas é a única possibilidade preparatória duma reação futura. Em suma, espero estar lúcido enquanto há tempo. Quero estar preparado.

- Se lembra dos escritos nas cartas? - ainda está virado. Aproveito para olhar o estado do meu inócuo braço esquerdo. Não está mais enfaixado. Está úmido... E quando me forço em avistar detalhes, noto o inchado piorado com uma espécie de espuma gaseificada esbranquiçada a se desfazer na pele. - Acho que bati muito forte na tua cabeça. - volta a me encarar. Não identifico o que tem nas mãos, somente a sua expressão cansada. Usa a mesma camiseta e calça sujas de visceralidades; lodo, barro, gosmas. - Bom, vejo que não consegue expressar emoções... Vou dar um empurrãozinho.

Ele se apronta diante de mim e com sua voz friamente controlada, ainda sim, com o fervor característico, continua: - Falo disso aqui. - vejo os bilhetes listrados a dez centímetros do rosto. - Os escrevi para que você estivesse, agora, sentado bem aí. Logo abaixo desta cúpula deslumbrante.

Nada disso soa novo. E não é a hora para me culpar. Ele dá um passo para trás. Respira três vezes antes de descartar todos com velocidade. Depois, sobrepõe as duas mãos na cabeça e percebo que o pavio de sua bomba interna, em seu âmago, fora aceso pela inapagável faísca, antecedendo a detonação nada sutil. As mãos iniciam um leve tremor. Passa a verdadeiramente ofegar, pelo simples fato de olhar o que há atrás de mim.

Seus olhos doentios, portanto, vibram em mim. Mantenho meu senso direcional auto e exclusivamente nele.

- Ela. - Então se senta na outra poltrona.

Não paramos de nos olhar calados. Resulta num peso situacional desconfortável, rude. Ele morde os lábios inferiores, desencadeando uma outra versão da personalidade.

- Ela trouxe você aqui. Ela confia em mim, até eu saber que não era genuíno. - fala baixo desviando seu olhar constantemente. - Ela fazia de sua inocência, minha grande satisfação. Mas, talvez, esse fosse meu grande engano. Fidelidade.

Me enojam suas precisas palavras. Me fazem querer dizer verdades. Dizer o quanto Sara está fora disso, mesmo revelando seus segredos. Dizer... Não vou dizer nada. Não posso dizer nada. Não vou dizer nada.

- Sabe, Daniel, algumas coisas que acontecem, sejam com relação ao destino ou eventos já premeditados, elas irão acontecer. O tempo não vai parar. Então, porquê interferir? Por que levar o natural à contradição? - ele dá uma pausa. - Hum, isso fez de mim ser quem sou hoje. Um precioso médico abandonado pelo rigor.

Escuto as paredes e o teto estalarem. Escuto o silêncio cantar uma pobre canção de ninar. Suas palavras me atingem como pedras grosseiras de gelo caindo do céu continuamente.

- Depois de tudo o que aconteceu. Eu parti em busca de uma nova vida... Buscando ao que persistir. E acabei encontrando não exatamente o que buscava, mas uma oportunidade. Observei que os anos naquela temida faculdade, ou melhor, temida para o Miguel de antes, aquele moleque desdenhado que deixava os outros serem melhor do que ele, de um jeito pior... Nas piores ocasiões... Eu... Todos os dias pensava em desistir, pensava que o dia de amanhã poderia ser pior que o anterior... Queria somente ser o garoto comum, capaz de fazer trilhas dos próprios caminhos. Era assim que me ensinavam.

Até o Limite por VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora