Capítulo 27

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Não imponho atenção no trânsito. Não imponho atenção em estabelecimentos comerciais, residências, logradouros ou lugares abertamente rurais. Não imponho atenção nas pessoas que habitam Minerva, nem mesmo no que elas falam, talvez por não estarem falando nada. Fecho os olhos algumas vezes pelos leves solavancos e impulsos para frente; tenho sono. Só que dormir não me faria melhor. Meu braço direito está suado, bem como meu pescoço, rosto. O ar-condicionado está ligado? Pareço compactuar um estágio transitório de lucidez à oscilação de total imperfeição energética baixa. Ouço minha mãe anunciar algo. Então aponta para a janela.

Ao abaixar o vidro para os ventos me tocarem, os sinto suntuosamente adocicados. Eles fazem secar as águas que saem dos meus poros e desobstruem as vias respiratórias. Elas estavam obstruídas?

- Daniel, nos diga se sentir qualquer coisa.

Assinto, pois está claro. Agora ela disse algo.

Ouço o motor da Red quando arranca se livrando de buzinas desesperadas na divisa para Aral Anis. Imediatamente, Susan reprime tal acontecido no banco traseiro. Seguro no gesso do braço contra o abdômen, e avisto o horizonte que antecede a metrópole. Se passam linhas, muitas linhas amarelas, asfalto acinzentado no meio e gramas nas laterais, cercas que dividem campos, arvores que permanecem lineares com folhas espalhadas e voando para perto, para longe, sendo deixadas para secar, para irem embora e nunca mais voltarem. Desprendidas. Sem rumo. Do que me desprendi? Estou voltando para... Thomas. Meu irmão. Pequenino. Seria como identicamente àquela madrugada.

"Vá com Thomas..."
"...para qualquer lugar dessa floresta."
"Qualquer lugar..."
"Qualquer lugar..."

Tento afugentar as reverberações. Vejo bem na minha frente, seu rosto, avermelhado expressando medo, me transferindo seu sentimento de libertação. Não Sara. Não.

- Daniel? - ela encosta na minha perna. - Quer que pare o carro?

- Não... - as visões somem. - Pode seguir. Só quero estar em casa.

- Podemos conversar um pouco, até para se sentir mais confortável. - Susan sugere.

É quase como uma constatação imediata o fator correspondentemente positivo.

- Claro. Sobre o que podemos falar?

- A decisão é toda sua.

Uau. Definitivamente não queria exprimir o que de dentro me causa puro tormento - em sua forma mais hostil. Não quero esconder Sara deles, mas não estou suficientemente pronto para lidar com minhas próprias transposições de pensamentos acerca de tudo aquilo.

- Certo, eu começo. - que bom que ela percebeu. - Sabe a professora Mirian? Ela vai ser a condecorada da formatura! Terá uma exposição numa área do salão do baile com as obras mais chamativas das turmas. Vai se chamar, O Artista Entre Nós! - ela mudou o tom da voz como sendo algo grandioso. - Achei um pouco brega, mas bonitinho.

O assunto se torna amplo e imagético. Conversamos numa sinergia que não parecia ser possível. A esperteza que Susan tem para desconstruir uma situação pesada e estagnada parece uma ação profissional. Quem a conhece, de fato, a admira por saber lidar tão bem com problemáticas que possam soar irresolutas para quase que uma troca de expectativas. Uma pausa. Uma respiro. Para unicamente pensar em algo discrepante. Eu tentei meio a tanto caos, mas não sucedeu como esperava por ter na prática um imediatismo contexto em que cada pequena atitude era crucial, ainda que estivesse passando por uma manipulação coercitiva e desumana.

Flor-de-Lis nos contempla com uma linda receptividade. As cores mais foscas ao longo do final da tarde, se misturam às luzes dos vários setores comerciais tanto quanto os culturais enaltecendo o visual natalino. As cores néons vibrantes me trazem a vitalidade que emociona. É, unicamente, uma linda receptividade.

Até o Limite por VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora