Capítulo 19

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Lado a lado, jornadeando por cerca de vinte minutos a passos ininterruptos, pondero àqueles meus últimos dizeres oportunamente finalizadores. É factual que aceitei sua ajuda, mas pareço não coordenar meus sentimentos de preocupações norteantes. Ela não some e o motivo que a faz persistente está claro: soa como uma irreparável inquietude nuclear, onde, o externo está fundamentando minhas ações. Sei que eu não estou bem, mas saber que outro também não está - mesmo não ocorrendo da mesma forma -, acaba sendo irredutível internalizar, de forma que, esse suposto mártir solidário tome conta dos ápices de exaustão. Meu braço dolorido parece deter uma latência interminável, ainda assim, consumo a fragmentada autossuficiência por necessidade.

Não consigo identificar a que horas estamos situados. Posso crer na madrugada pelo frio embargante. Desvios, pequenas subidas em barrancos, alguns deslizes pelo solo aguado, plantas que nos encostam, fazem parte do trajeto. Minha pele enrijecesse gradativamente, bem como todo meu corpo estremece. Cerro os cílios, pois a névoa garante forte irritação ocular. Achando que estamos finalmente sob uma trilha, ponho meu braço direito sobre o enfermo suspenso pelo tecido e tento em acanho cruzá-los, mas não consigo por completo. Está pulsando como ondas de choque. Por sua vez, o feixe de luz embaciado que nos guia advindo da inarredável lanterna, raramente se desvia; imponho uma fixidez audaciosa nos dedos.

Ao voltar a reparar com cuidado nos dois, capto uma diferença física. Sara está se esforçando para além do normal na sustentação do corpo de Thomas nos braços.

- Você quer que eu o conduza?

- Não. - ela responde rápido. - Consigo aguentar mais um pouco.

- Eu insisto.

- Daniel, só mais alguns metros. Vou te avisar. E acho que estamos chegando no lago.

Por ora, a deixo levar, por também saber disso. O som da fraca correnteza está cada vez mais perto. Ao mover a luz na direção, pisamos num gramado alto; este é o término da trilha. Ela diz que precisamos passar por entre uma vegetação de espaço estreito para passagem, mas que dará acesso à margem. Ouço seus respiros relativos a cansaço, porém, antes que eu pudesse intervir, ela me faz parar diante duma imensa árvore de casca grossa e outras pequenas cheias de galhos folhados nos esperando. Sem intimidação, a sigo prosseguindo cautelosamente. É arriscado tentar adivinhar se a maré está elevada. Ou se, ao final desse curto percurso às cegas, cheguemos diretamente na água, ou se este lago tem uma profundidade considerável. E se eu não conseguir evitar que caiamos em alguma antecedente valeta?

- Sara! - ela se vira. - Quero que proteja a cabeça dele, pois vou guiar vocês iluminando qualquer perigo.

- Conte comigo. - imediatamente pressiona sua mão direita na nuca do meu irmão.

Apenas faço o proposto.

Movendo a lanterna de cima a baixo, flexionando os joelhos, andando lateralmente, consigo agir com destreza. À medida que andamos, afasto com as pernas o gramado e alguns galhos pequenos caídos pelos ventos. Abaixamos mais um pouco para atravessarmos abaixo de um enorme ramo de uma deplorável árvore com fungos em toda sua crosta exposta. É inevitável que eu encoste e sinta o bolor através da camiseta encharcada. Prezo em voz para Sara ter cuidado e caminhar por onde eu esgueirar. Mexo a lanterna por tudo e, pouco a pouco, consigo avistar o intrigante lago.

Um conjunto de folhas ao chão nos espera a um metro. Mais da vegetação resvalam pelo meu rosto favorecendo uma dormência quase instantânea, apesar de eu usar o cotovelo em desvencilho. Está difícil de suportar. Quase como numa compensação, questiono se estão bem e, pelos seus retornos, há estabilidade. Ao chegar no amontoado verde, movo o feixe para elas e tento afastá-las para o lado, é então que deslizo sob algum musgo, caindo de costas. Sara se aproxima, mas já havia levantado de imediato. "Não foi nada.", é o que digo. Mesmo assim, sua mão gélida encosta na minha cintura, intensificando minha respiração. E um gatilho foi acionado, de dentro para fora do meu ser. O cheiro das plantas aquáticas me admira. Ouço os grilos. Coaxar de sapos. Ouço o piar de uma coruja, ao longe. Fecho os olhos. Ergo a lanterna. Abro-os.

Até o Limite por VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora