Não esquecerei do que houve aqui. Por mais que eu dificulte essas pontuais lembranças, ou almeje sensoriar o oposto do fui induzido a perpassar, eu saberei quando elas tornarem presentes. Terei que lidar de uma melhor forma, ou seja, controlar por vias solucionáveis para não se tornarem pressões autossuficientes. Precisarei me ajudar daqui pra frente, para que eu consiga ajudá-lo. Mergulho a fundo nesse tipo de conscientização. Destituo a maior de todas as responsabilidades como irmão; ela terá que ser guiada e imutável. Eu sou minha própria orientação. As consequências daqui por diante consumarão em multiplicidade. São imensuráveis em alastramento. Tenho o dever de não hesitar.
Ei de confessar que as possibilidades de eu estar lidando com outra espécie de manipulação é mínima. Mesmo ao revelar aqueles planos, uma coisa viera a modificar somente agora. Talvez, por razões perfeitamente ilógicas, mas que simplesmente acontece por ser uma garota expressiva: o seu olhar comunica. Antes, havia algo como uma conexão proibida, insistente, e uma forçada rejeição causal quando estávamos juntos; isso me estimulava, ao mesmo, que me permitia admirar a solitude, bem como o acanhado. Eram entonações cheias de convicções demasiadas, mas que, a princípio, achava diferentemente precisas. Só que, agora, novamente entonada, ela me permite admirar seu verdadeiro olhar. Não existe mais proibições, acanhamento, ou mesmo convicções demasiadas. Existe solidez, receios genuínos, abalos claros. Seria então crível ao afirmarem que olhares falam mais que mil palavras ditas?
Quase fora, Sara pede para eu sair do cômodo, que fechará as portas em seguida. Suspendo Thomas segurando suas nádegas, fazendo com que deite sua cabeça em meu ombro facilitando a sustentação para a caminhada. Ao sairmos, diz que precisa pegar algo útil. Vai à cama, retira os cobertores e seleciona, trazendo consigo um manto branco aveludado numa das mãos.
- Vai ter que usar isso. - rapidamente, cobre Thomas com ele, o prendendo entre nós para não soltar. - Vamos sair na madrugada, a umidade é agressiva.
Assinto. Logo depois, vejo pela última vez a luz piscar, pois com as duas mãos na maçaneta, nos desassociando desse ambiente sórdido, Sara as fecha devagar.
Como uma dupla corrente de energias positivamente dispostas no interior de uma fiação que comporta a eletricidade de localidades para alguém que precisa dela, estamos nós, caminhando pelo corredor das paredes barrosas. Estão igualmente lamacentas. O teto ainda pinga gotas de água suja, o chão amadeirado ainda range, mas as folhagens não estão mais dispostas sobre ele, e sim nos cantos. Há uma espécie de caminho. As luzes interligadas continuam acesas. Sinto o ar gelado mais acentuado, mas, como esse corredor não é tão extensivo, logo chegamos ao próximo cômodo. Sara entra primeiro. E cá estamos, neste lugar esquisito, intacto desde a vinda anterior, a não ser pelas ferramentas de uso comum fora dos caixotes.
- A escada. - ela aponta. Está logo atrás da mesa sem uma perna. - Temos que usá-la para subir até a Estufa.
Consinto com os lábios pressionados.
Sem pestanejar, segura cada um dos caixotes e os arrasta para perto de si. Libera o espaço para alçar as pernas por cima, até encostar no alumínio da escada articulada. Ela emite desconforto pelo mesmo estar frio como gelo. Então puxa para cima, mas percebe uma trava que impede a soltura por entre tantos objetos. Faz com mais força. Uma. Duas. Na terceira vez, impulsionando o corpo para trás, ela consegue, ao mesmo tempo em que a mesa tomba, com as margaridas murchas nos vasos, o recipiente com canetas, e o abajur empoeirado, se espalhando pelo local.
Não nos importamos pelos barulhos gerados. Vamos direto para o corredor obscuro, visceral e frígido. Peço a lanterna para que ela segure com firmeza os degraus, e para que eu cuide da iluminação ao transitarmos. E assim sucede.
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Até o Limite por Você
Mystery / ThrillerE se conseguíssemos perceber no ápice duma exaustão contínua que para salvar a vida de quem amamos, precisamos tomar decisões arriscadas que se fazem necessárias para reconhecer o cerne deste sentimento para ambos conseguirem sobreviver? Daniel é um...