Capítulo 24

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Rafaela

Finalmente tínhamos conseguido um pouco de paz, mas, como acontece sempre nesta família, a paz nunca é duradoura.
Vejo o Dinis entrar como um furacão para o escritório, acabo de limpar a Carol e vou ao seu encontro. Ele caminha de um lado para o outro com o telemóvel ao ouvido, pela sua conversa percebo que a Dany já sabe, e consequentemente, ele também.
Finalmente, depois de longos minutos ao telemóvel ele desliga a chamada e deixa-se cair em cima da cadeira, apoiando os cotovelos na mesa. O seu corpo está tenso e levanto-me para lhe massajar os ombros.
- A Dany está com problemas, o Lucas desta vez foi longe demais. - Fala ao fim de uns minutos - Ele levou o caso para tribunal e ela recebeu hoje uma notificação. - O meu coração aperta ao ouvi-lo falar mas não o interrompo - E para piorar ainda ais as coisas o Afonso também já sabe, ele está furioso e já vem a caminho de Portugal.
- O quê?! - Pergunto assustada. Como é que o Lucas não previu isto?!
- Ele está completamente furioso, já nos ameaçou mais que uma vez. Dentro de poucas horas chega a Portugal e desta vez alguém se vai magoar de verdade. Tentei que fosse colocada uma ordem de restrição sobre a nossa família para impedir que ele se aproxime de nós, agora só me resta esperar por notícias.
- Achas que ele se pode virar contra o Jonas e cumprir a ameaça que fez antes do menino nascer?
Ele olha-me de esguelha, os seus olhos transmitem medo. Raras foram as vezes que o vi assim, verdadeiramente assustado, as nossas prioridades mudaram quando as crianças nasceram e saber que o nosso menino corre perigo de novo consome-me.
- Não sei amor, a sério que não sei.
- Espero que consigamos essa ordem, não o podemos deixar aproximar-se do Jonas.
- EU NÃO ACREDITO QUE O IDIOTA DO LUCAS FEZ ISTO! POR QUE É QUE AQUELE FILHO DA MÃE FEZ ISTO?! - Grita desesperado. Vejo levantar-se da cadeira e esmurrar a porta várias e várias vezes. Fecho os olhos numa tentativa de diminuir a dor de o ver assim, os seus gemidos de raiva são como granadas, lá no fundo também tenho uma parte de culpa, eu sabia de tudo e não lhe contei nada, talvez se o tivesse feito conseguiríamos impedir esta asneira.
- Ele está magoado, a Dany tirou-lhe a filha e...
- E nada! - Interrompe - Por culpa da casmurrice dele todos vocês correm perigo. O Jonas, a Carol, tu, a Dany, a Bianca, o próprio Lucas... todos têm uma arma apontada á cabeça.
- Bolas Dinis! Tu só sabes ver o lado da Dany, ela agiu mal com ele. É verdade que este não é o melhor método que ele arranjou para recuperar a filha, aliás eu tentei avisá-lo e pedi-lhe para não o fazer mas..
- O QUÊ?! - Grita - Tu sabias disto?
E sob o seu olhar pesado e condenador, que queimam a minha pele, limito-me a responder com um breve aceno.
- Eu não acredito. - Ele esfrega a cara com as mãos - Tens noção do quão irresponsável foste? TU DEVIAS TER-ME DITO! EU TINHA IMPEDIDO O LUCAS DE FAZER ESTA PORCARIA!
- QUEM ÉS TU PARA ME CONDENAR POR TE ESCONDER AS COISAS? TU NÃO TENS MORAL NENHUMA PARA FALAR! DESDE QUE NOS CONHECEMOS QUE ME ESCONDES SEGREDOS! EU APENAS GUARDEI ALGO QUE NÃO ME PERTENCIA A MIM. - Paro por uns momentos para deixar o clima amenizar um pouco - Agora percebo que fiz mal - Continuo num tom mais suave - mas não admito que venhas deitar qualquer culpa para cima de mim, apenas quis proteger alguém que sempre me protegeu. Se alguém tem culpa aqui é a Dany, ela devia ter contado a verdade ao Lucas e não mentir-lhe todo este tempo. Gosto muito dela mas a única culpada aqui é ela; foi ela quem trouxe o Afonso para a nossa família, foi ela quem acabou com o casamento do Lucas e lhe deu esperanças, foi ela quem mentiu e magoou o Lucas... Desculpa dizer-te isto mas a culpa é dela, eu apenas protegi um amigo.
O silêncio invade a sala. O Dinis olhava-me estupefacto enquanto eu falava mas depois, lançou-me um olhar frio e voltou-me as costas, encostando a cabeça á parede atrás de sim. Choro silenciosamente, a cada segundo a minha visão fica mais turva, encosto-me á secretária dele e tento encará-lo, desejando que ele me devolva o seu olhar caloroso. Mas falei demais.
- A ameaça estendeu-se. - Fala ao fim de uns minutos - O Jonas não foi o único a ser ameaçado. Pouco tempo antes de a Emily nascer o Afonso fez outra ameaça, já não era a vida do Jonas que estava em perigo, mas também a nossa, no entanto, o principal centro da ameaça foi dirigido ao Lucas.
Olho-o confusa.
- Pois, ela preferiu manter a primeira versão da ameaça onde apenas o Jonas estava em perigo. Ela manteve tudo em silêncio, preferiu sofrer sozinha e longe de nós para impedir que nós sofrêssemos, mas acima de tudo para impedir que o teu mano forever fosse desta para melhor.
- O que é que tu estás a dizer? Dinis ela não disse nada...
- Pois não. Só hoje é que soube a verdade completa, quando a vi tão desesperada após a chamada do Afonso e porque consegui ouvir uma parte da conversa. Agora o Afonso está a chegar e estamos todos com uma arma apontada á nossa cabeça, ele é perigoso Rafa, ele é bastante perigoso.
- Oh meu deus! - Exclamo.
- Agradece ao teu maninho e diz-lhe que se acontecer-vos alguma coisa eu o mato.
Ele sai do escritório e segundos depois oiço o som do telemóvel, a sua voz vai ficando cada vez mais ténue até deixar de a ouvir. Oiço a porta da rua bater e sento-me desesperada na cadeira.
A porta do escritório abre-se, o som que ela faz é um som suave, quase como se estivesse noutro lugar e a distância não o permite ser mais ténue, ou talvez seja apenas o meu cérebro que esteja com dificuldade em associar a realidade envolvente. Os meus olhos doem devido ao choro e quase não os consigo manter abertos, os meus ombros pesam com a culpa e o medo aumenta a cada minuto, mas não posso vacilar. O monstro está a chegar e não pode deixá-lo aproximar-se da minha família.
- Rafa, o que é que se passa? - Pergunta o Lucas.
- Ela já sabe, aliás, eles já sabem.
- Deixa-me adivinhar, foi logo contar ao Dinis e ele virou-se contra ti! - Exclama - Ela não tinha nada de vos meter nesta história, é mesmo uma egoísta e o Dinis é ainda mais tolo por ficar sempre do lado dela...
- CALA-TE LUCAS! Eu disse-te tantas vezes para não fazeres isto, eu pedi-te... - Volto a chorar desesperada.
- Rafa...
- Sabes por que é que ela se foi embora? Por que é que fez o que fez? - Pergunto e encaro-o - Porque foi obrigada, o Afonso ameaçou a vida do Jonas...
- Isso não é desculpa havia muitas formas de proteger o teu filho! O teu marido tem conhecimentos em tudo o quanto é lado, nós conseguíamos cuidar dele...
- Mas a ameaça mudou, a família foi toda ameaçada e tu eras o principal alvo. A Dany foi-se embora para que pudesses continuar a viver, ela preferiu sofrer e aguentar toda a tua raiva do que ver-te morrer a ti e a toda a família.
- Por que é que ela nunca...?
- E agora o Afonso vem a caminho. O Dinis está a fazer os possíveis e impossíveis para os manter longe de nós mas não sei se vai conseguir.
E mais uma vez o silêncio domina o ambiente. As lágrimas acabaram, perdi a capacidade para chorar. Fico estática a encarar o nada, a mente está vazia, não oiço nada. Fico apenas um corpo sentado numa cadeira.
Recupero do transe decidida.
- Temos de fazer alguma coisa! - Afirmo e levanto-me - Temos de impedir que o Afonso faça mal a quem quer que seja, está na hora de o afastar de uma vez por todas.
- Conta comigo para o que precisares, quanto mais cedo arrumar aquele desgraçado mais cedo recupero a minha filha.
Mais silêncio.
- Eu vou aproximar-me do Afonso! - Afirmo, levantando-me de repente.
- O quê?
- Pensa comigo Lucas, todos sabem que o Dinis adora esconder-me o que se passa e posso usar isso para me aproximar do Afonso. A minha relação com o Dinis ainda está no início, o nosso passado ainda está muito fresco e posso usar isso como desculpa para fingir uma vingança contra ele. O Afonso nunca recusaria uma aliança comigo, é perfeito para atingir o grande amigo da sua amada e conseguir recuperar a Dany.
- Rafa, isso é perigoso.
- Mas é a nossa única solução. Lucas, eu não quero mais segredos entre mim e o Dinis, por isso, quando ele regressar eu vou contar-lhe a minha ideia, no entanto, se ele a recusar eu vou precisar do teu apoio. Eu preciso de acabar com o Afonso, é a nossa vida que está em jogo... a vida dos meus filhos.
Ele caminha na minha direção e abraça-me e sussurra-me um "conta comigo" ao ouvido. Tento relaxar e aproveitar este minuto de paz. Deixo-me estar nos seus braços mas as memórias de um Dinis furioso invadem o meu cérebro e afasto-me bruscamente.
- É melhor ires embora. - Aviso - Se o Dinis te vê agora é capaz de te matar.
- Ele que venha...
- Lucas, é melhor não o provocarmos mais. Já há estragos suficientes. Vai para casa, fica atento ao teu filho e á Sílvia, eles também precisam de proteção.
- É melhor ir. Adeus.
A noite já vai adiantada quando o Dinis regressa a casa. Senti um aperto no peito quando tive de mentir aos meus filhos quando chegou a hora de jantar e não viram o pai. O Jonas percebeu que algo se passava com a forma como eu olhava para a porta a cada minuto; tentei mudar de expressão e voltar a ser alegre mas não estava a conseguir e o Jonas percebeu isso. Tentei dissuadir as ideias que a sua pequena mente foi criando e, com dificuldade, consegui adormece-lo.
- Ainda estás acordada? - Pergunta ao entrar e ver-me sentada no sofá.
- Estava á tua espera. Os meninos ficaram aflitos quando não te viram no jantar, onde é que estiveste?
- Não consegui. - Suspira sentando-se no sofá - Tentamos de tudo para colocar uma ordem de restrição contra o Afonso mas sem qualquer prova não foi possível. Estamos por nossa conta, já contratei alguns seguranças para proteger os miúdos e a ti e até para a Dany mas não lhe digas nada, se ela souber ela mata-me.
- Ouve, Dinis, eu sei que não devia ter-te mentido e... - Começo e deslizo lentamente pela carpete até chegar á sua frente.
- Não vamos falar mais disso, não quero mais discussões, o que está feito está feito e agora só nos resta lutar e vencer esta guerra. - Interrompe-me mas sem me olhar nos olhos, como sempre faz.
Ignoro a sua atitude e continuo:
- E eu podia ajudar. Por favor, deixa-me explicar a minha ideia e não me interrompas, pode ser? - ele assente e eu recomeço - Eu podia aproximar-me do Afonso, tornar-me sua aliada, dizer-lhe que me quero vingar de vocês e que o vou ajudar a destruir a vossa familiazinha indestrutível.
- O QUÊ?! - Pergunta, esbugalhando os olhos.
- Posso usar o nosso passado como desculpa, Dinis pensa bem! É perfeito, posso dizer que este casamento é apenas fachada e que só me quero vingar. Nunca ouviste dizer que devemos manter os nossos amigos perto mas os inimigos ainda mais perto?
- Não amor, não vou permitir. Não te quero metida nisto.
- Dinis, acorda para a vida! - Grito mas rapidamente baixo o tom de voz - É a vida dos meus filhos, o meu marido, dos meus amigos que está em risco, eu estou-me nas tintas para o perigo, farei tudo o que estiver ao nosso alcance para acabar com aquele desgraçado, quer tu permitas quer não.
- Eu não quero que sofras e que te magoes. - Murmura ao meu ouvido enquanto me abraça.
- Eu sei cuidar de mim, sobrevivi aos... - Calo-me de repente.
- Aos quê?!
Aos abusos do Telmo.
- Aos dias em que estive presa naquele laboratório, também sobrevivo a uma amizade com o Afonso.
Ele pega em mim e senta-me no seu colo. Abraço-o com força e deixo-me levar pelos seus suaves beijos no meu pescoço.
Eu ia contar-lhe, eu não lhe posso contar. Os últimos meses com o Telmo foram complicados mas não quero me posso contar ao Dinis. Há segredos que nunca deveremos contar e este será um deles. Morrerá comigo!

Segredos Perversos - A disputa (livro 3)Onde histórias criam vida. Descubra agora