Capítulo 15

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Alarmes soaram em minha mente.

Entretanto, Brie — ou srta. Mountain — ainda está me encarando, como se eu fosse apenas aquele garoto perdido.

Suas olheiras, antes quase invisíveis, agora são escuras e perturbadoras. Sua confiança, quase inexistente, parece triturada.

E eu não me movo.

— O que ele fez? — perguntou para o garoto choramingando à sua frente.

— Ele me achou. O Ace é bom, ele quer ajudar, ele vai ajudar.

Gustav largou a Brie — ou Srta. Mountain — e correu até mim, puxando a manga de meu casaco.

— Vamos, Brie vai ajudar.

Não consegui me mover, outra vez estava paralisado por sua humanidade. O sangue em suas veias, correndo como um riu de lava fumegante, o cheiro ferroso me banhando, me enlouquecendo — não mais que seu cheiro de primavera. Tudo me fez parar, como se essa fosse mesmo a primeira vez.

— Ace? Vamos!

Meus pés queriam se mover, queriam se mover rápido de mais, queriam correr...

Pisquei, desviando meus olhos para o garoto, agora um pouco menos triste, puxando-me.

Tesse, por outro lado, parecia ainda mais doente, e sua dor me fez dar um curto passo.

Me aproximei.

Deixei Gustav me guiar até a linda humana. A respiração dela parece com tufões de ar quente formando torvelinhos no ar.

— Você de novo? — ela sorriu de canto, tornando-se ereta, desviando, por um segundo, sua atenção para os cacos de vidro no chão.

— E-eu não... Não sabia q-que essa era a Brie — gaguejei.

— E quem você pensava que fosse? — Gustav me olhou débil, amaciando o pelo de sua cachorrinha.

— Ning... Eu só... — balancei a cabeça. — A Tesse não está se sentindo bem, lembra? Ela comeu chocolate de mais, e isso está fazendo seu estômago doer — despejei, tomando cuidado com a distância que mantinha entre Brie, ou Srta. Mountain, e eu.

Labaredas sobem por meu estômago vazio, ocupando o lugar das borboletas — e daqueles falcões!

Por que se torna ainda mais difícil a cada dia?

— Eu disse para você não dar biscoitos! — Senhorita Mountain alarmou-se.

Os olhos do pequeno líder de alcatéia varreram os cacos de vidro aos pés da garota.

— Mas...

— Ei, está tudo bem — digo, dando uma cotovelada leve em sua cabeça. O garoto sorveu minhas palavras e pareceu convencido. Ele agarrou a barra de meu sweater mais uma vez. — O-onde eu a coloco?

Mountain, ou Brie — preciso me acostumar com isso — acenou para dentro da casa usando a cabeça.

Meu corpo estremeceu ao olhar para o interior da casa. Cheiro de mortais se espalhando por todo o lugar. Desde as cortinas até o carpete. Tudo cheira enlouquecidamente à humanos. Humanos. Humanos. Tudo tem cheiro de Brie e Gustav e Tesse e outros estranhos...

Dei um passo à frente e um estalo ocupou o barulho oco do meu movimento.

— Coloque-a no sofá, por favor... — Brie afastou-se para que eu pudesse passar. Sua respiração falhou ao tombar com meu corpo, fechei meus olhos ao estar tão próximo e senti seus olhos raspando meu encalço para não me olhar no rosto.

Forçando um falso inspirar, acelerei o passo, passando pelo corredor escuro, até a sala de estar. Deitei Tesse sobre o grande sofá creme, afagando seu pelo felpudo antes de me distanciar e examinar bem o ambiente.

Uma grande árvore de natal ainda pisca, poucos metros de mim. Por trás do cheiro de humanos, as cortinas tem cheiro de eucalipto, assim como as almofadas. O ar tem cheiro de bolo recém tirado do forno e um suave toque amadeirado de fragrância para carros. Os quadros na parede são de pessoas com traços ligeiramente assemelhados à Gustav — seus pais, talvez —, enquanto que, sobre a estreita e alta mesa de ébano, há imagens de outras gerações. Sorrindo. Sérios. Céticos. Forçando uma alegria inexistente.

Um ruído escapou entre os dentes de Brie.

Minha mente borrou-se de vermelho, subitamente.

Explosões sangrentas causaram alardes ensurdecedores.

O cheiro forte e ferroso...

Meu vício se espalhando pelo ar, como um perfume...

Senti minhas pernas tombarem e meu corpo cair no vazio vermelho. Meus olhos se tornaram insanos. Eu sei.

Meus instintos ardem avidamente, se contorcendo dentro de mim como cobras. Lutando para escapar...

Sangue.

Abri os olhos encarando a cena à minha frente.

Um corte na mão. Seus fragmentos pingando, quentes, em pequenas gotas escarlate.

O pequeno garoto sem saber a quem ajudar: Tesse, Brie, ou a mim.

Me ergui cobrindo todo o rosto com as mãos, usando apenas meus pensamentos para chamar Nicholas...

Gavetas e arquivos inúteis se espalham por minha mente.

Nicholas... Onde está Nicholas?

SAIA JÁ DAÍ! — Nicholas berrou subitamente.

Não consigo...

RÁPIDO, ACE. TENTE!

É forte...

Ace? — as pequenas mãos tocaram as minhas. Calafrios percorrem meu ser. O cheiro se torna pior a cada segundo, enquanto meu corpo se contorce epilético, tentando não avançar.

Se Brie, ou Mountain, que seja, soubesse o quão “apetitosa” me parece, não estaria tentando arrumar aqueles cacos.

E seu sangue corre...

— Ace o que foi? — a voz de Gustav parece distante. — Brie, ele está morrendo!

— Ace...? — a voz dela está aqui, bem em frente à meus olhos cerrados e vermelhos, seu cheiro, o cheiro de seu sangue está me enlouquecendo... — Você pode me ouvir?

Não consigo suportar...

CORRA, ACE!

Não consigo, Nick... Eu não...

— Rápido — a voz de Brie está em outra dimensão —, pegue o telefone!

Seu sangue corre...

Sangue humano de verdade. Saindo de fios sob sua pele.

Sangue...

Seu sangue.

O sangue dela.

Há quanto tempo estou tentando não beber...?

ACE!

— M-me desculpem — grito entredentes.

Primavera & Chocolate (livro um)Onde histórias criam vida. Descubra agora