Mantive minhas mãos unidas às cordas do balanço, mas não consegui retirar os pés do chão para sentir aquela sensação infantil de que podia voar. Os cheiros de Brie e Derek ainda estão na calçada, mas o odor predominante é o de carne queimada.
Derek.
Brie.
Não suporto a união dessas palavras.
O que faz aí? Eles vão te ver! — a voz de Nicholas ressoou em minha mente, tão inesperada que me causou um leve sobressalto.
— Não precisa ter medo. É a casa da Brie.
E daí? Ela ainda é uma humana, mesmo que já tenha entrado em nossa casa!
Empurrei as cordas para frente e para trás, fazendo o balanço se chacoalhar de maneira estranha, não precisamente balançando. Usei os pés num impulso calmo e finalmente saí do lugar da maneira certa.
— Ela sabe o que somos — minha voz meio que se misturou com o vento, soando esquisita.
ELA O QUÊ? — Nick gritou em minha mente e eu senti meus tímpanos explodirem.
Dei de ombros, fingindo que aquilo era a coisa mais normal do mundo. Um humano sabe dos vampiros? Tá. Quem não sabe? Isso é completamente normal.
— Ela sabe — fui para frente. — Ela não liga. — o balanço me lançou para trás. — Ela não está nem aí — concluí. Brie parece não se importar nenhum pouco com o que há de errado em mim, ou em Nicholas, mesmo tendo dito que deveria contar sobre nós; ela estava louca da vida, por minha culpa.
E se ela ligar? Pior, e se ela ligar para os federais? Para a CIA?
— Quem acreditaria? Nem mesmo eu acredito que somos vampiros. Afinal, como somos vampiros? O que nos faz isso? O que nos fez isso antes de sermos realmente isso? — impulsionei meu corpo para trás, com um pouco mais de força, e me vi voando em todo aquele branco.
Acho que isso aconteceu devido a uma mutação nas primeiras células — imaginei Nicholas batendo o dedo indicador no queixo e franzindo o cento, buscando respostas em seus arquivos invisíveis. — Alguma coisa saiu errado. Acredito na hipótese de às plantas carnívoras terem o mesmos “vírus” ou gênese, ou seja lá o que for, que os vampi... AH! NÃO ESTAMOS FALANDO SOBRE ISSO! VOLTE JÁ PARA CASA!
— Se eu não voltar, o que vai fazer? — balancei um pouco mais forte e meu corpo enfim sentiu o frio congelante e desconcertante de International Falls. É como se, minha parte humana, estivesse exposta para fora do eu vampiro. — Nick, você compra sangue de um clínico. Vai me dizer que ele não sabe que você é um vampiro?
Não, Ace. Ele não sabe — Nicholas bufou, criando ligeiras pausas entre as palavras.
Então houve o silêncio que eu queria, e junto com o vazio me vieram também os pensamentos, as hipóteses que eu não conseguia afastar com meu balançar, por mais brusco que fosse.
Talvez eu esteja mesmo nos colocando em risco ao conviver com uma humana. Não estou sendo gentil com Nicholas e estou sendo indiferente com Brie. Me ocorreu, também, que é minha indiferença quem está ferindo Brie. Que aquele sorriso que ela não deu, está sendo contido por minha culpa. Que eu devo voltar para casa e me desculpar com Nicholas por tê-lo tratado tão mal. Que é óbvio que a culpa é toda minha. Que aqueles gritos não foram minha imaginação pregando peças em mim.
De repente, todas as gavetas dos arquivos em minha mente, se abriram escancaradamente. Eu deveria ter lacrado cada uma com fita adesiva, super cola, correntes e cadeados e depois tê-las jogado naquela área penhascal e vaga da minha memória. É, eu deveria.
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Primavera & Chocolate (livro um)
FantasiaTudo o que Ace realmente quer é ser, novamente, mais um mortal. Entretanto, sendo impossível remover a imortalidade de seu corpo, ele vive na floresta, escondido dos humanos, observando, imitando e invejando-os, mas nunca sendo exatamente um deles...